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mula de Dom AfonSo, obrigou-a a sen–

tar-se sobre as

p..

tas traseiras.

-Que Deus nos de boa tarde, disse

ele

precipitadamen~e

a

guisa de sauda–

~ao.

O

seu amor pela aguardente pura

que o Jacinto e o taita Timóteo vendiam

na aldeia, dava ao seu bálito u m cheiro

de pera apodrecida. Tirou o chapeu e

descobriu ufnas guedelhas em desordem

que calam em mechas coleantes de suor

sobre a testa.

-Boa tardc,.Policarpo.

-

Es~ou

muito fatigado, . • Choveu

todo o d•a. Cá está também a menina que

eles trouxeram,

O

pai,

ehefe da familia, desviou a con–

versa fazendo muitas pergunlas sobre a

conduta dos Indios, as sementeiras, a pos–

slvel

explora~li.o

do bosque.

- Tcnho grandes projectos. O futuro

dos meus filhos l'lssim o exige.

ser:

~~r:~:Cse:~~~~s ~ ppeant~~~ :ao~i~~~~~

senii.o urna filha, a Lolita.

A

que filhos

se referia ele agora'! Talvez a menina

esteja grávida.\>

A

velha moradia recebeu-os desde o

pátio acolhedor com o perfume do redil,

com o Molqut;, ciio fiel, em manifesta·

~Oes

epilepticas, com a tagarelice .:que–

cba'\.dos criados Indios, o mugido das

vaca~

a larga galeria de pilares ornamen–

tados de

cabe~as

de

ca~a,

embalsamadas,

a que se atavam as montadas, e as cen–

tenas de

recorda~óes

que tinham ali guar–

dadas.

Depois de se terem

desembara~ado

das suas cargas, os Indios dispersaram

para o campo, procurando o atalho mais

curto para o seu huasipungo.

Andr(!, sem dar ouvi.dos

a

fadiga, mar–

chava num passo rápido: ainda niio tinha

conseguido reanimar-se.

Há dois anos já que André Chili–

quinga, em lugar de tomar a estrada que

conduzia ao huasipungo dos seus pais,

cada dia se embrenhava mais nas vere–

das da floresta. Penetrou na abóbada pro–

funda das án•ores e olhava e

m

voha com

desconfian~a.

l-lá

dois anos que, desobedecendo ao

mordomo e ao cura que o queriam casar

com urna India de Filocorrales, a !im de

aumentarem o pessoal do amo. tinhacons–

truldo na ravina grande, no meio de ver·

des carvalhos, urna cabana coma Cunshi.

Perante o facto consumado, o mordomo

e o cura tinham fechado os olhos. Mas o

patrii.o....que iria fazer o patrii.o?

O

medo

dos primeiros dias voltava-lhe com mais

for~a.

Ou\•ia de novo as santas palavras:

dndios se\vagens que nao quercis seguir

o caminho de Deus, que niio quereis

civilizar-vos, ireis parar ao inferno!

:t

Via

bem esse inferno: para ele era urna

enorme aldeia de Indios onde nao havia

brancos, nem curas, nem mordamos, nem

comissários ¡e esta visao tranquilizava·o.

est~~a~;r~ualÍ~d:d~:~f~recn°c1: ~~~~:~

tioso.

Gritou:

- Cunshi!

O seu grito meio trágico, meio folga–

zao. acordou o pequeno guagua

q~e,

embrulhado nas suas roupas, dormia a

u

m canto da casa; e a resposta veio-lhe

dos carvalhos verdes, ondea India, apro–

veitando a penumbra da tarde, apanhava

leoha para o fogo.

- lJiz:, carajo {

1).

Onde estavas?

- Onde havia de estar?!

a

apanhar

Jenha,.,

-A

apanhar lenha! Ah!. .. Vem

aqui,

o

guagua chora, está a chorar o

guagua -

amea~ou

o Indio que nao sabia

sobre quem se vingar das suas dúvidas.

U)

jura

de

cólera

que

nilo se tradut.

A SEPULTURA DOS INDI OS

A mulher dizia-lhe

a

verdade, bern o

sabia.

-Mentirosa! gritou. Deu um salto de

felino.

A

mulher viu-o, dei.xou a lenha e

acocorou-se debaixo de um

pwco.

A

agressao foi brutal. Calda no chao

'ae terra batida da cabana, recebeu os

golpes tremendos, como urna ave tran–

sida de frio

¡

a dor fazia-a tomar poses

voluptuosas.

- Oode estavas eoqnanto o guagua

chorava ?. , . Uesgrat¡:ada! gritava o Indio

enfurecido.

A

bruma do inverno aumentava o

tédio da familia. Pelas manhas de bom

tempo Dom Afonso montava a c:Negra• e

afa'stava-se, metendo-se entre os carva–

lhos verdes que se estendlam do outro

lado do rio. Na aJdeia, fazia uma pequena

paragem na loja do comissário. Era este

um campooes de rosto avcrmelhado que

nunca largava o seu poncho e usava

sapatos de bezerro comprados em Quito.

Tinha vencido. Construfra a sua casinha

coberta de telhas

a

for~a

de trabalho e

de honestidade.

De inicio, como comissário e titular

da loja de tabaco que a\ugara, antes de a

ter na sua própria casa, depois como

hábil capataz na fazenda de Dom Alfan·

~~\~; h

0

o~~g~~:

1

~o

0

nÍ1e~fa~u~s ell~di~s?

Bom cristiio, bom esposo e económico,

no dizer de todos. Mudava a roupa todos

os meses e sofria dos pés. Chamava-se

Jacinto Quintana, e fumava cigarros

c:progres•.

As visitas de Dom Alfonsito pertur–

ba

va

m o campones, que compunha a

situa~;ii.o

com a oferta de um copo de

aguardente.

- Tome, niio

fa~a

cerimónia.

É

pura

e

a

Joana prepara-a eom folhas de

figueira.

- Onde está joana ?

- joana! Anda cá, está aqui o senbor.

Por urna porta negra de fuligem que

clava para a galeria, onde se encontrava

um banco de pedra carregado de pratos

chcios de

tremo~os,

de pusunes

{1)

e de

frutos tropicais para vender aos Indios

que passavam, apareceu urna mulher

morena de olhos bri\hantes e cabt:los

entram;ados. MurrD.urou toda envergo–

nhada:

- Como vao as senhoras?

- Bem, minba filha.,. Tu estás cada

vez mais gorda.

- E'

porque o senhor me

ve

com olhos

de simpatía.

E a camponesa dizia a Jacinto que

trouxesse um copo grande.

- Outro ? protestava a visita.

- €om certeza, isto niio faz mal.

O marido ia buscar a aguardente e

Dom Afonso agradecia a Joana com

gestos equfvocos.

Os

passdos.do

patriio terminavam no

presbit(!rio. O proprietário e o cura

tinham conversas langas e substanciais.

Dom Afonso, pondo de parte o seu elevado

espirito liberal, tinha feito as pazes com o

cura. Nao era este o Unico intermediArio

possfvel entre ele e os proprietários dos

bo!>ques que

cobi~ava ?

Assim, ele já

tinha podido comprar a parte dos irmiios

Ruata, dois irmiiozinhos que em breve

estariam em idade de se casarem e que,

para se coosolarem do celibato, escreviam

versos em louvor da Virgem. Pupilos do

padre, usavam sapatos de bezerro, como

o comissário. Nao era preciso que outros

lizessem alusóes malignas

~

sübita ami–

zade que o ligava ao padre;

lan~ando

a

cabe~a

para Irás, Dom Afonso tomava

urna atitude de borne

m

de Estado sobre o

pedestal.

0)

Visceras de boi coúdas. Trip11•,

- É

que niio ve mais que a ponta do

nariz.,, Mas eu . .. Eu tenho grandes

planos!

A

sombra das trepadeiras que teciam

urna cortina entre os pilares da galeria

do prior e projectavam no solo urna renda

de luz, discutiam acaloradamente os seus

negócios: Guamani e os Indios.

- Estou certo que este velho Isidoro

t

um ladrilo.

- Um homem que sabe quanto vale

o terra e quanto valem os Indios, comen·

lava o prior.

,.--Mas isso nao !he rende nada: lamei-

ros, bosqut.s, montanhas.

-Masé preciso contar com os Indios.

- Os Indios!

O cura calou-se

a

fim de reflectir

melhor, na maneira de asSegurar os

duzentos sucres de comissáo que o negó–

do Jbe devia render. O dinheiro escapa·

va-se. Mas ele sabia agarrá-lo bem.

-Por enquanto náo terei

neces.si

dade disso, afirmou com ar negligente

Dom Afonso.

- Com os Indios!

-Ah !

Com este ah!.. dissiparam-se as

dúvidas do prior.

....,

-Be

m entendido ! O que é que isso

poderia valer sem os Indios?

-E qqe Indios ? Todos aptos. Todos

pacificas, todos humildes. Pode-se fazer

tudo o que se qucre com esta gente.

- Sim, mas todos ou quase todos siio

ce\ibatários.

E

um Indio ce!ibatário vale

metade do

pre~o.

Voce sabe-o bem : nao

te

m filhos, nem mulher que os ajudem na

cozinba, nos pastos, nos arroteamentos.

- E•

verdade. Mas sf10 maisde

quinh~n­

tos e eu conscgui faze-los entrar no bom

~~~~~~~.· ~;~~~~~r~~r~~~~c-;~~h~ ~~~~

forte - para o trabalho. Olhe que os in–

dios sao um bom negócio.

- Dando-lhes o huasipungo parece-me

que estii.o bem pagos.

- Escute, Dom Afonso.

E

u nao tenho

nenhum interesse oeste negócio

¡

vou

pois ocu¡>ar-me dele e fazer com que

cheguem a

um

acordo definitivo. Pondo

de parte tod_n a ideia mesquinha de di–

nheirp, esta compra

(!

para si um

negó~

cio de futuro.

«E'

que niio se trata sbmente de alguns

Indios de que ternos faJado, ruas ainda

de todos os outros, e sao bastantes, que

vivem na floresta, que n:'io estao anotados

nos nossos livros e que podemos, agindo

~~:;:inh~~dJ~~i~,v~llizae: d~~~::rad~s

1

nd~r~~

o senhor.

O

senhor é caritativo,

é

homem de grandes empreendimentos.

Que melhor pai do que o senhor, para

este povo perdido no meio dos bosques!

Logo que o patriio viu as duas Indias

que ehegavam com o mordomo, chamou

a esposa:

-Examina-as com atent;ao; podem

ser muito doentes•

..

-Donde es tu?

De Cachischano, nilia

{1).

-Vejamos o guagua. .

Sem levantar a

cabe~a,

a indiana tirou

o chai\e e descobriu um bébé cor de

terra, embrulhado como urna múmia

egipcia. 1-.:la tioha medo,

- Tens bastante leite?

- Ari

(2),

niña.

-Mas o guagua niio está gordo.,,

Vejamos o teu.

A outra lndia nao se atrevendo a fazer

o menor gesto, deixou a patroa agir.

- Este está mais gordo, murmurou

D. Blanca; levantou os olhos e olbou

(1)

A'

letra

quer

dizer, filha, menina.

Mas

toma

urn

si¡¡nificado diferente

quondo se

trata

da senhora, patroa.

(2)

Sim.