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para o marido, qne, apolado a om dos

pilares da galeria, observava a cena.

-Mas,

mulher,

tu

náo ves esta man–

cha de sarna que ele tem no rosio?

- 0

que é islo?

=

~~~ ~~~~a ~!~~~.h~i~~ñ~.

ontra.

NAo est4s de acordo comigo, A!onso?

O homem olhou com insistencia para

a

India e fe7. um vago gesto de aquies–

cencia.

- Ent§o, ela que conduza o guagua

1l.

sua cabana e que se vá banhar no rio.

E'

preciso que tire toda a porcaria. Nlio

sendo assim, pegaria piolbos a toda a

familia.

-Talvez ela niio.tenha, patr.iio. Vive

s~7.ioha,

interveio o mordomo.

- Está bem, ainda

l!

mais ft\cil; tu,

Policarpo, encarregar-te-ás da crian¡;a

por ¡¡lguns meses, até que a India acabe

de dar de mamar ao bebé.

A'

tarde a India instalou-se ao pedo

ben;o, sobre as mantas que a patroa lhe

tinha dado. De trC:s em tres horas o gua-

Ru~ s~

0

us~~~~i~~v;=~~~fa d~:aeli~~ ~o~:sm:~

crian¡;as da regic1o para urna maratona de

mamadas. Quanto ao seu primeiro adver–

sário, definhava dia a dia.

- Morreu o guagua

ll

lo,ga

(1)

de

Cachischano- anunciou u

m

dia Dona

Blanca ao seu esposo que voltava de ins–

peccionar o gado.

O

seu le1te secou.

Dom Afonso niio fez nenhum comen–

tário.

- Vai procurar doas outras Indias,

par drne m de mamar ao bebé. Mas

arranja-me boas amas, ordenou ele ao

mordomo.

- Náo tenha dUvida, patráo, murmu–

ren Policarpo, que logo montou na sua

mula.

Num campo de cevada, ao longe,

algumas In d ias ocupavam-se a cavar.

A presenr;a do mordomo foi depressa

assinalada e as enxadas enterravam-se

mais profundamente no solo.

- Onde deixastes os guaguas ? gritou

Policarpo da beira do atalho.

As campouesas de boca aberta, entreo–

lhavam-se como se o homem estivesse

maluco.

~el)~~~

:deixastes vós os guaguas '!

At•

Indias apon!R ra m para os sil–

vados.

-Vamos lá ent.iio ver.

Quanto mais se aproximavam do fosso

maiores

er.am

os gritos e o choro dos

guaguas. Os mais crescidos, vendo chegar

as mulhercs, lembrnram-se de repente das

recomendar;lles que lhes tinham sido {ei–

ta~o;

e pegando em colheres cheias de urna

mistura espessa que enchia urna tijela

de barro coberta de folhas de couve esfor–

\'avam-se por fazer mamar a colher de

madeira aos bt bes que, cstendidos na

erva, aguardavam o regresso das mUis

pau sugarem os seus seios ; e os seios

aguardavam-nos quatro horas, seis horas,

oito horas, todo o tempo que o trabalho

da fazenda exigisse.

A cinta de cores vivas tecida pelas

próprins Indias, imobilizava-as, sustinha

as suas primeiras Angüstias, atenuava a

dor das cólicas que lhes causava os cozi–

dos, os melóes, as batatas fritas e encer–

rava-as nas secre¡;Oes de vinte e quatro

horas que fermentavam e aqueciam.

Os que tinham idade para se senta–

rem, brincavam, esmagaodo e amassando

excrementos. E pela posse de tais jogos,

havia constantemente disputas.

Urna crianr;a de seis anos estava aco-

m fndia.

A S EPUL T URA DO S I NDIO S

corada debaixo do seo poncho na atitude

de uma galinha no choco. EspantAda pelo

barulho da mula, le\·antou·se com as cal–

r;as na mao, deixando no chAo o sinal do

seu acocoramenlo: urna mancha verme–

Iba de desinteria. Refugiou-se no meio

das en•as e baixon-se sobre a barriga,

para acalmar

ll

dor que lhe mordia as

tripas, com o traseiro violáceo como

um

abcesso maduro.

O rancho das crianc;as deixou·se pas–

sar em revista, com olhares perplexos de

animaizitos de jardim zoológico.

A

mula

ia e vinha e o administrador procurava

entre as

crian~as

assustadas, alguma que

parecesse robusta e correspondesse

As

exi~encias

da Senhora Blanquita.

Os guaguas sorriam para a mula. E o

seu sorriso constrastava com a desinte–

ria, o paludismo, a anemia, os olbos pus–

tulentos,

a

boca sarnosa, a idiotice ou

A

epilepsia.

/

Por fim o administrador decidiu-se:

um aborto imundo doente

e

disforme,

que lhe pareceu ser o ente humano mais

robusto dos Andes.

O

choro, que até entao se tinha man–

tido em sordina, estalou de repente. Da

garganta dos guaguas um único e prolon–

gado solur;o

elevou.se

acima dos euca–

liptos.

Com voz alcoólica o administrador

dominou os gritos:

- Porque niio dais de mamar aos

guaguas

'l

Estáo todos magros. Será. que

o leite náo \hes agrade, cadelas

1

ndias ?

Jajajay . . . cadelas Indias, murmura–

ra

m

em coro as mulheres.

E

urna, a mais

velha, explicou :

- Estiio mal habituados. Nao estiio

acostumados a terem a boca fechada por–

que, quando nós vamos trabalhar, deixa–

mo-los lá. com as papas de farinha.

- Bom Deus! E eu, o que vou levar

a

patroa

'!

Agora a crianr;a nao tem que

mamar.

O

leite secou

a

India de Cachis–

chano.

Mal ele tinha terminado

e

ji

as mfies

cxibiam os seus filhos com a astúcia

~~~i~~~~u[,a~~~ :o~~;ae::rnan~e!f~~aq~~

a India de Caschichano era alimentada

como os brancos e todas invejavam tal

ventura.

-O

meu . . . Veja. ,. Como está. gordo,

e a miie erguia·o nos bra¡;os, para que o

administrador o pudessc ve r melhor.

Outras empenhavam-se a apertar os seios

e um fio de \eite corria sobre

a

cabe~a

da mula¡ urna outra

1

limpava as faces de

seu filho com saliva.

- Oihe o meu, patriiozinho.

- 0\he.

- Oihc.

Os gritos das mulheres ressoavam no

meio aos campos, como em plena fd ra.

- E

u ni\o preciso de vós para esco–

lher, afirmou o administrador, mandando

avan¡;ar duas mullieres cujas crianr;as

aparentavam saúde.

- E

nós?

- Viio traba\har. Se o campo oiio esti-

ver pronto, tereis de

vos

haver comigo.

A angústia renasceu entre os peque–

nos, a quem a visita inesperada das mies

tinha reconfortado. lam conhecer de novo

o desespero duma espera que se prolon-

~~~~ a~~

3

~i:~i~~~~ t~~~=v~~ d~;s~ ~~~

~~~b~~~d~~~~· ~~~~i~~~~o;: ~u~r~~~~~~~~a~

vinham comer

cucny o de tostado,

derrea–

dos e deslumbrados diante da paz dos

campos e da luz do Sol. insenstveis aos

gritos das

crian~as.

A fadiga, o Sol e a

terra que eles tinham revolvido, nio !hes

deixavam tempo para pensar em coisas

ternas.

O Sol e a Terra queimavam. A sede

~a~t~d¿f~a:~~ci::'~~~~n~,me~~~::~=n~~:

voz profetica :

- Sol de água . . . Depressa vai cbover.

Dom Afonso sabia que

a

madeira e o

carvao eram muito procurados pelos almo–

creves que os paga\•am por bom

pr~o

para os levar

il

capital

e

vilas vizinhas.

Só com o primeiro corte de

árvore~

na

florestAjá poderla pagar os impostes e as

dividas.

O

trabalho na montanha

come~ou

com

vinte Indios de Tuamani e dez

da

fazendn.

Andr~,!~~c~~~~o~i~~;;~.

para a floresta,

-E

a Cunshi ?

- Fica para t.ratar das

vr~cas.

A

tua

India morreria se tu

n

levasses para tAo

longe.

-Mas . ..

va~,E~t;~~i:~nd~~Jique

para tratar das

Eu

~:s~~q:afseid~e f¡~~~i'r

g:;:

1

t~:t

1

:r

0

~~!

campos.

- Sim, Indio preguil;oso. Tu queres

passar todo o dia a dormir.

r:

o prOprio

patrio que diz que tu deves partir ama–

nhii e basta.

Sem esperar resposta, Po\icarpo afas–

too-se deixando o Indio mergulhado em

profundo desespero. Era preciso ficar

pelo menos quatro meses entre as, nzi–

nheir..s da montanha, a \utar com a cbuva,

com os pAntanos, com o frio, com o palu–

dismo e sobretudo com a ausencia da

Cunshi, que era o que mais o atormen–

tava ainda.

~e

ele a pudesse levar . ..

Ma~

nao. E' preciso que ela fique para tratar

das vacas. E' preciso que fique.

- E' preciso que fiques para ordenhar

as vacas, disse ele, quando a mulher, Ira–

zendo o

crtCOJ'O

para a viagem, se prepa·

ravn para o acnmpanhar..

- E' preciso que fiques, repetiu

a

inda,

e quando

rompe~

a aurora já a fadiga

nos emaranhados caminhos da mnntanba

Jhe tinha feito esquecer as suas mégoAs.

A

miie lamentava-se.

- O

leite desta India náo con\•ém

1t

crian~a.

Está doentc do estOmago.

O administrador teve um gesto de

impotencia:

.

- E' que, patroa .. .

E

dificil de encon–

trar.

Dom Afonso niio estava habituado

a

en–

contrar entre os

1

ndios senao obediéncia,

-Caramba

1

exch1mou. Nao se pode,

~o~\~~c~~~rraers~~a~:~i~ii~eJ:n:~ \)¡~~~

irritado.

- Sim, estou certo que há, mas os

gu~up~r~st!o::bg~fsD~~\~oq~:g~~~·ham

pedir-me um adiantamento sob o pre–

texto de que lhes morreu alguem . . .

me!ó~i~

11

á~ 1~!~~~ ~

0

e ~:fft~

0

fé~i~i;ou

a

-Agora recordo-me.

A

India Cunshi

tem um guagua.

- Eotiio q ue venha imediatamente.

E ela tem alguem

a

<1uem deixar acrian

ca·~

- Entiio Vossa Senhoria nao se lem–

bra que mandou o marido para a floresta'!

-O Andre Chiliquiuga

·¡

- Sim.

E

o porco do Indio mi o gos·

tou de partir; diz-se mesmo que ele vem

cá todas as noites por atalhos que conhece.

- De tao longe?

- Sim, de tao longe.

- Se eu o pilho

1

verá o que lhe acon-

tece.

-Esta gen te é imposslvel. Despa–

cha-te, val procurar a Cunshi.

- Vou já., patrao.

A noite descia sobre a mo ntanha

quaodo os Indios, depois de terem tra–

balbado debaixo duma ehuva intensa

durante horas- nem sabiam quaotas por-