que o sol oii.o tinha aparecido-exaustos,
com as abas dos ponchos cscorrendo
:igua, vohavam
l
cabana para passar a
noite.
Oormiam no cháo, uns ao pé' dos
outros, scm despirem as roupas húmidas;
o ar eslava impregnado dum cbeiro de
est~bulo.
O
sono tomou·os r1l.pidamente,
um sono pesado de fadiga que permitia
aos piolhos saciarem-se no seu sangue.
O teto, quase
a
desabar, era baixo
e
o ar
irrespirflvel. Andrl!, aproveitando-se da
escuridao, afastou-se e
a
lama abafava o
ruido dos seus passos.
Depois de ter caminhado duas horas
chegou
a
porta da sua cabana. Experi–
menten abrl-la, mas notou que urna corda
fechava a porta. Desatou a corda angus–
tiado.
- Cunshi, Cunshi, gritou ele na escuri–
dao. Foi
1l. enxerga ¡apele de carneiro e
o poncho
cobriam.na.Um lamento subiu–
-lhe aos
lábios. Entiio, depois de alguns
gestos desordenadoS, ficou
imóvel nas
trevas, Teve ganas de ir Afaz.enda arrom–
bar a porta dos patrOes, mas viu-se ero
preseD~;a
do cura que lhe pedia dinheiro
para !he dar consclhos crisli\os. Quando
recuperou a consciencia encontrou ·se
mergulhado na treva.
Que seria feito de sua mulher e do seu
guagua? Talvez estivessem numa cabana
a olhar pelfls sementeiras, pelo gado ou
pelos seleiros?
A' ordem de quem? Do patrao, do
comissário, nao importa quem, parente
ou amigo do patra.o, de algut:m que tinha
o rosto branco e que sabia ler.
E
depois, pflfa que procurflr ? Nao
podia dizer nada. Qucm era ele para
discutir'!
Chegou atrasado
a
floresta onde o
contramestre o acolheu com urna sova de
pon~~~
5
;que
te foste embora, Íudio bruto,
dormir na imundlcie da tua cabana em
vez de ficares aqui aconchcgado? Estes
idiotas nao há meio de se civilizarem.
~~goo:~er
1
:~se~! ~sfr~~
3
:cXeema¿~~~er~~~~
e depois iras com eles abater os mirtos.
Ao mcio·dia, quando os pahidicos se
pudcram levantar, André partiu corñ eles,
procurando maneira de se escapar para
o huasipungo: t:lndia ingrata que fugiu,
deixando tudo ao abandono, os frangos,
o milho, as batatas..
E nem o cao lá
estava
:t.
-O que
é
que se comer:\ agora ?
murmurou ele cm voz alta.
-Tu nao tens
cucayo,
acentuou um
lndio.
Sem responder, Andrt pOs-se a tra–
balhar furiosamente. Com as suas macha–
dadas os ramos tremiam e da copa cala
urna ehuva de folbas de um verde escuro
e insectos inofensivos mas repugnantes.
Onde podiam eles estar? Como fugir ?
Toldava-se-lhe o pensamento e
fl
sua
machada abatia-se mais profundamente
sobre o tronco do mirto.
Levantou os olhos para o ceu coberto
de nuvens e o seu o\bar asseme\hava-se
ao duma besta depois de ter transportado
todCo~:~:u~usu~e~~~f~r
a árvore e um
entorpecimento venceu a sua coragem.
Deixou-se ir. Nao fez mais perguntas.
Pós um pé sObre um ramo que tentava
ainda reststir: cPor Deus, tu nao te rirás
de mim¡,. E com os dedos crispados sobre
o cabo da machada erguida, calculou
durante alguos segundos o ponto exacto
onde devia desferir o golpe.
-Toma, caramba! exclamou ele, aba–
tendo a machada violentamente. Mas a
machada ao cair desviou-se alguns mili–
metros e cortou·lhe o pe antes de cravar–
-se no tronco rebelde.
- Ayayay, caramba1uivou ele deses-
¡~e~:edjo~a~ e~~ntal~u!~:r~~=secl~~. ~~~~
momento azado.
A SEPULTURA DOS
IND I OS
Os seus companheirosapareceram. Um
deles, o mais competente, exclamou :
cur:;
~~
p
0
e:a:oe
d~
6
~~~: p~dt-~c~~~!rh~
pOr sobre a perna.
U
m
Indio corren
a
procura do medi–
camento.
- Disseste que trouxesse depressa, .•
Segurava nas máos o remédio que
deixava escorrer urna baba fetida e lama–
centa,
-Felizmente que está bem pOdre.
-Caramba
1
o que estao aqui a fazer?
perguntou, furioso, o contra-mestre que
chegou a tempo de mostrar as suas quali–
dades de bom chefe e de bom curandeiro.
-Nao
e
nada, patráo. foi o Andre
que cortou o
pé.
Esttl um pouco magoado.
A'
volta do ferido, os assistentes toma–
vam ares de compaixiio para comentar
a habilidade do cnmponOs.
-
Logo vi que ia passar-se qualquer
coisa. Com a má vontade com que vinhas
trabalhar, Deus castigou-te, velhaco. O
que
é
que lhe fizeram? Lama ? Jsso
1!
como se quisessem tapar um cano. Niio
!he faz nada. Tu, j ose Tarqui, vai ver se
há teias de aranha na cabana. Jsso
é
como
a
m:io de Deus. Traz bast11ntes. Corre.
E
tu
a~ora
nao vais poder mexer-te.
-
Estou certo que náo me poderei
mexer mais.
-EstA bem, depois serás alcunhado
de Andrt:, o coxo.
Um murmúrio aco\heu a grac;fl.
O Indio voltava a correr coro as
m5.oscheias de teias de aranha.
-Era preciso ver se era
m
grossas.
- Com isto vais-te curar, disse o zaro-
lho
¡
e colocou, com a certeza de um
medico que pensa urna ferida com gaze
desinfectada, as teias de aranha imundas
sobre o
coto
sanguinolento. Depois
procurou urna ligadura para segurar o
remedio.
- Onde
é
que há um farrapo ?
-Nao há.
-Nao ha.
- Nao há... ludios estúpidos. Que
vao para o inferno mais o ndo há •..
E precipitando-se para um Indio que
;1:~~~
0
c~~a~:~~a~~;~~~~~:oa:~ec~:~~~~
da sua camisa suja. O outro, espantado,
ficou contemplando o umbigo, e foi umfl
gargalhada geral
- Hou
1
hou
. , Última moda, excla–
mou uro.
- Ultima moda, repetiram todos, no
meio de risos, que rodeavam o homem
sempre apoiado ao cabo da sua machada.
Mas já o conlra-mestre se aprumava
afectando importancia.
-Acabem com o riso! Para o traba–
Iba, Indios preguic;osos! HA ainda duas
horas antes que anoitec;a. Quanto a ti,
que nao podes fazer forc;o, vai apenas
para o barranco juntar as folhfls verdes
que sao precisas para cobrir o carvño
que se queima amanhii.
E, como o André, ao
levantar-se,
deixasse escapar um gemido, o contra–
-mestre, hábil condutor de Indios, aju–
dou-o assentando·lhe duas chicotadas
nas espáduas, enquanto afirmava a sua
importAncia, gritando:
-O que e que tu vais fazer agora?
No dia seguiote, o mutilado sentiu
o sangue bater com tanta
for~a
no pt:,
que parecia que o cora,áo eslava lá.
Dofa-lhe a anca, quando andava. As suas
calc;as habitualmente orvalhadas, secaram
mais depressa na perna
doeot~.
Na terceira manhii despertou cheio
de febre; quis levantflr·se mas caiu como
um bebado. Quando o zarolho Rodriguez
chegou, a eficácia do chicote mostrou·se
nula.
-Caramba ! E
1
preciso "er o que tem
este Indio
pregui~oso.
A inutilidade do
remedio até entdo infallvel, despertou-Jhe
a curiosidade. E um parente de Andre,
o Indio Isidro Chiliquinga, aproximou·se
do doente, desligando·lhe a ligadura que
se desenrolou, exalando um cbeiro fCtido
de carne em
decomposi~;i1o.
Logo que
lha
tiraram, descobriu-se urna
ferida
ulcerosa que parecia ter vida distinta e
inquieta. Confundido, o mestic;o procu–
rava ler um diagnóstico na cara dos
Indios que olhavam uns para os ontros.
-Está cheio de bichos como urna
pata de besta, murmurou o parente,
carregando nas bordas da ferida. Peque–
nos vennes que se enroscavam sobre
a úlcera féUda, cafram.
- É
preciso levá-lo para a fazenda,
ordenou o vesgo,
renunciando
:\ sua
ciencia.
Isidro Chiliquinga carrcgou André
As
~~~~;s:eil~:e~n~hi~~~~a ~~~~~:~~~ ~~~~~!n~~
palúdicos.
A primeira visita foi a do mordomo.
;~tra~~~ n°:
0
caba~a l~vea•paFh~ns:cv:m;~~
nhado do Indio curflndeiro.
Jnclinaram-se ambos sobre o corpo
de onde pan.iam queixumes. O Indio que
ia certificar a
doen~a,
depois de ter
aumentado os sofrimentos do paciente
apertando-lbe fonemente a pcrna inchada,
emitiu o seu diagnóstico acompanhando
as palavras de gestos misteriosos.
-EstA embruxado.
- Trata-o, entao.
É
preciso que tu
fiques aqui. Sabes bem que a Cunshi nio
pode vir
1
porque dá de mamar ao bt:bí:,
explicou o administrador com o medo
supersticioso de apanhar o maleficio lan-
qado sobre André.
.
- Vou imediatamente tirar-lhe o
maleficio com ervas. Espera até que
u
volte do barranco.
-Avia·te.
De minuto a minuto, o medo de Poli–
carpo
tornava-se mais forte, e sem
demora, niio podendo mais suster-se,
safu correndo. to:Enfeiti¡;ado,
enfeiti~ado-..,
repetia e
le. Urna coisa de que o próprio
cura nao
conhec.iaa origem !
Quan
do o curandeiro voltou, carre·
gado de ervas, encontrou André no meio
da cabana queixando-se desesperada–
mente.
-Cusharistu, ,m,
O hábil cat;ador de maleficios, fez um
~oag~~rem?t~~~~~~~~:r~~;~~~~¿ t~sn!~¡efa\~j=
habilmente a
ma:;amora
e preparou a
cozedura que
lhe tinha dado sempre
~xfo~:,d~~r~~s~I~.~d~~~;:r~~a:;!osua~ir~~~
ginac;ao que espantariam os maleHcios
do demo. Cozidas as ervas no momento
oportuno, desenrolou a ligadura e com os
lábios cm ventosa, ap1oximou-se do pt:
mutilado, escorrendo pus e bichos. Sugou
a chaga num beijo absorvente
1
cnchendo
a boca de materias inquietos que lhe
irritavam o paladar e a llnguo. O doente
leve um sobressalto. Indubitavelmente a
succ;i'io tinha-lhe tocado as fibras mais
delicadas do seu cérebro.
Soltou umgrito
e ficou imóvel. A
suc~;io
tornou.scmais
forte. Um clariio de triun
fo brilhounas
pupilas do curandeiro. Era sempre a
mesma coisa. O mal, para sair, prostrava
o doente na inconsciencia. Ele sabia isso.
Sabia também que com a sua
suc~iio,
os males, mesmo os mais enraizados, nio
podiam resistir.
Num escarro, despejou a buca e, para
,evitar toda a possibilidade de contégio,
enxugou As costas da mfio a baba sangui–
nolenta que !he colava as comissuras dos
lábios.
Examinou o escarro.
- Comigo nada fará, caramba !
Aproveitando a inconsciencia do
doeme, apressou-se a acabar o seu tra–
tamento mergulhando-lhe o pé na águn
da coredura ainda fumegante.