Table of Contents Table of Contents
Previous Page  11 / 30 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 11 / 30 Next Page
Page Background

que o sol oii.o tinha aparecido-exaustos,

com as abas dos ponchos cscorrendo

:igua, vohavam

l

cabana para passar a

noite.

Oormiam no cháo, uns ao pé' dos

outros, scm despirem as roupas húmidas;

o ar eslava impregnado dum cbeiro de

est~bulo.

O

sono tomou·os r1l.pidamente,

um sono pesado de fadiga que permitia

aos piolhos saciarem-se no seu sangue.

O teto, quase

a

desabar, era baixo

e

o ar

irrespirflvel. Andrl!, aproveitando-se da

escuridao, afastou-se e

a

lama abafava o

ruido dos seus passos.

Depois de ter caminhado duas horas

chegou

a

porta da sua cabana. Experi–

menten abrl-la, mas notou que urna corda

fechava a porta. Desatou a corda angus–

tiado.

- Cunshi, Cunshi, gritou ele na escuri–

dao. Foi

1l. enxerga ¡a

pele de carneiro e

o poncho

cobriam.na.

Um lamento subiu–

-lhe aos

lábios. Entii

o, depois de alguns

gestos desordenadoS, ficou

imóvel nas

trevas, Teve ganas de ir Afaz.enda arrom–

bar a porta dos patrOes, mas viu-se ero

preseD~;a

do cura que lhe pedia dinheiro

para !he dar consclhos crisli\os. Quando

recuperou a consciencia encontrou ·se

mergulhado na treva.

Que seria feito de sua mulher e do seu

guagua? Talvez estivessem numa cabana

a olhar pelfls sementeiras, pelo gado ou

pelos seleiros?

A' ordem de quem? Do patrao, do

comissário, nao importa quem, parente

ou amigo do patra.o, de algut:m que tinha

o rosto branco e que sabia ler.

E

depois, pflfa que procurflr ? Nao

podia dizer nada. Qucm era ele para

discutir'!

Chegou atrasado

a

floresta onde o

contramestre o acolheu com urna sova de

pon~~~

5

;que

te foste embora, Íudio bruto,

dormir na imundlcie da tua cabana em

vez de ficares aqui aconchcgado? Estes

idiotas nao há meio de se civilizarem.

~~goo:~er

1

:~se~! ~sfr~~

3

:cXeema¿~~~er~~~~

e depois iras com eles abater os mirtos.

Ao mcio·dia, quando os pahidicos se

pudcram levantar, André partiu corñ eles,

procurando maneira de se escapar para

o huasipungo: t:lndia ingrata que fugiu,

deixando tudo ao abandono, os frangos,

o milho, as batatas..

E nem o cao lá

estava

:t.

-O que

é

que se comer:\ agora ?

murmurou ele cm voz alta.

-Tu nao tens

cucayo,

acentuou um

lndio.

Sem responder, Andrt pOs-se a tra–

balhar furiosamente. Com as suas macha–

dadas os ramos tremiam e da copa cala

urna ehuva de folbas de um verde escuro

e insectos inofensivos mas repugnantes.

Onde podiam eles estar? Como fugir ?

Toldava-se-lhe o pensamento e

fl

sua

machada abatia-se mais profundamente

sobre o tronco do mirto.

Levantou os olhos para o ceu coberto

de nuvens e o seu o\bar asseme\hava-se

ao duma besta depois de ter transportado

todCo~:~:u~usu~e~~~f~r

a árvore e um

entorpecimento venceu a sua coragem.

Deixou-se ir. Nao fez mais perguntas.

Pós um pé sObre um ramo que tentava

ainda reststir: cPor Deus, tu nao te rirás

de mim¡,. E com os dedos crispados sobre

o cabo da machada erguida, calculou

durante alguos segundos o ponto exacto

onde devia desferir o golpe.

-Toma, caramba! exclamou ele, aba–

tendo a machada violentamente. Mas a

machada ao cair desviou-se alguns mili–

metros e cortou·lhe o pe antes de cravar–

-se no tronco rebelde.

- Ayayay, caramba1uivou ele deses-

¡~e~:edjo~a~ e~~ntal~u!~:r~~=secl~~. ~~~~

momento azado.

A SEPULTURA DOS

IND I OS

Os seus companheirosapareceram. Um

deles, o mais competente, exclamou :

cur:;

~~

p

0

e:a:oe

d~

6

~~~: p~dt-~c~~~!rh~

pOr sobre a perna.

U

m

Indio corren

a

procura do medi–

camento.

- Disseste que trouxesse depressa, .•

Segurava nas máos o remédio que

deixava escorrer urna baba fetida e lama–

centa,

-Felizmente que está bem pOdre.

-Caramba

1

o que estao aqui a fazer?

perguntou, furioso, o contra-mestre que

chegou a tempo de mostrar as suas quali–

dades de bom chefe e de bom curandeiro.

-Nao

e

nada, patráo. foi o Andre

que cortou o

pé.

Esttl um pouco magoado.

A'

volta do ferido, os assistentes toma–

vam ares de compaixiio para comentar

a habilidade do cnmponOs.

-

Logo vi que ia passar-se qualquer

coisa. Com a má vontade com que vinhas

trabalhar, Deus castigou-te, velhaco. O

que

é

que lhe fizeram? Lama ? Jsso

1!

como se quisessem tapar um cano. Niio

!he faz nada. Tu, j ose Tarqui, vai ver se

há teias de aranha na cabana. Jsso

é

como

a

m:io de Deus. Traz bast11ntes. Corre.

E

tu

a~ora

nao vais poder mexer-te.

-

Estou certo que náo me poderei

mexer mais.

-EstA bem, depois serás alcunhado

de Andrt:, o coxo.

Um murmúrio aco\heu a grac;fl.

O Indio voltava a correr coro as

m5.os

cheias de teias de aranha.

-Era preciso ver se era

m

grossas.

- Com isto vais-te curar, disse o zaro-

lho

¡

e colocou, com a certeza de um

medico que pensa urna ferida com gaze

desinfectada, as teias de aranha imundas

sobre o

coto

sanguinolento. Depois

procurou urna ligadura para segurar o

remedio.

- Onde

é

que há um farrapo ?

-Nao há.

-Nao ha.

- Nao há... ludios estúpidos. Que

vao para o inferno mais o ndo há •..

E precipitando-se para um Indio que

;1:~~~

0

c~~a~:~~a~~;~~~~~:oa:~ec~:~~~~

da sua camisa suja. O outro, espantado,

ficou contemplando o umbigo, e foi umfl

gargalhada geral

- Hou

1

hou

. , Última moda, excla–

mou uro.

- Ultima moda, repetiram todos, no

meio de risos, que rodeavam o homem

sempre apoiado ao cabo da sua machada.

Mas já o conlra-mestre se aprumava

afectando importancia.

-Acabem com o riso! Para o traba–

Iba, Indios preguic;osos! HA ainda duas

horas antes que anoitec;a. Quanto a ti,

que nao podes fazer forc;o, vai apenas

para o barranco juntar as folhfls verdes

que sao precisas para cobrir o carvño

que se queima amanhii.

E, como o André, ao

levantar-se,

deixasse escapar um gemido, o contra–

-mestre, hábil condutor de Indios, aju–

dou-o assentando·lhe duas chicotadas

nas espáduas, enquanto afirmava a sua

importAncia, gritando:

-O que e que tu vais fazer agora?

No dia seguiote, o mutilado sentiu

o sangue bater com tanta

for~a

no pt:,

que parecia que o cora,áo eslava lá.

Dofa-lhe a anca, quando andava. As suas

calc;as habitualmente orvalhadas, secaram

mais depressa na perna

doeot~.

Na terceira manhii despertou cheio

de febre; quis levantflr·se mas caiu como

um bebado. Quando o zarolho Rodriguez

chegou, a eficácia do chicote mostrou·se

nula.

-Caramba ! E

1

preciso "er o que tem

este Indio

pregui~oso.

A inutilidade do

remedio até entdo infallvel, despertou-Jhe

a curiosidade. E um parente de Andre,

o Indio Isidro Chiliquinga, aproximou·se

do doente, desligando·lhe a ligadura que

se desenrolou, exalando um cbeiro fCtido

de carne em

decomposi~;i1o.

Logo que

lha

tiraram, descobriu-se urna

ferida

ulcerosa que parecia ter vida distinta e

inquieta. Confundido, o mestic;o procu–

rava ler um diagnóstico na cara dos

Indios que olhavam uns para os ontros.

-Está cheio de bichos como urna

pata de besta, murmurou o parente,

carregando nas bordas da ferida. Peque–

nos vennes que se enroscavam sobre

a úlcera féUda, cafram.

- É

preciso levá-lo para a fazenda,

ordenou o vesgo,

renunciando

:\ sua

ciencia.

Isidro Chiliquinga carrcgou André

As

~~~~;s:eil~:e~n~hi~~~~a ~~~~~:~~~ ~~~~~!n~~

palúdicos.

A primeira visita foi a do mordomo.

;~tra~~~ n°:

0

caba~a l~vea•paFh~ns:cv:m;~~

nhado do Indio curflndeiro.

Jnclinaram-se ambos sobre o corpo

de onde pan.iam queixumes. O Indio que

ia certificar a

doen~a,

depois de ter

aumentado os sofrimentos do paciente

apertando-lbe fonemente a pcrna inchada,

emitiu o seu diagnóstico acompanhando

as palavras de gestos misteriosos.

-EstA embruxado.

- Trata-o, entao.

É

preciso que tu

fiques aqui. Sabes bem que a Cunshi nio

pode vir

1

porque dá de mamar ao bt:bí:,

explicou o administrador com o medo

supersticioso de apanhar o maleficio lan-

qado sobre André.

.

- Vou imediatamente tirar-lhe o

maleficio com ervas. Espera até que

u

volte do barranco.

-Avia·te.

De minuto a minuto, o medo de Poli–

carpo

tornava-se mais forte, e sem

demora, niio podendo mais suster-se,

safu correndo. to:Enfeiti¡;ado,

enfeiti~ado-..,

repetia e

le. Urna c

oisa de que o próprio

cura nao

conhec.ia

a origem !

Quan

do o cur

andeiro voltou, carre·

gado de ervas, encontrou André no meio

da cabana queixando-se desesperada–

mente.

-Cusharistu, ,m,

O hábil cat;ador de maleficios, fez um

~oag~~rem?t~~~~~~~~:r~~;~~~~¿ t~sn!~¡efa\~j=

habilmente a

ma:;amora

e preparou a

cozedura que

lhe tinha dado sempre

~xfo~:,d~~r~~s~I~.~d~~~;:r~~a:;!osua~ir~~~

ginac;ao que espantariam os maleHcios

do demo. Cozidas as ervas no momento

oportuno, desenrolou a ligadura e com os

lábios cm ventosa, ap1oximou-se do pt:

mutilado, escorrendo pus e bichos. Sugou

a chaga num beijo absorvente

1

cnchendo

a boca de materias inquietos que lhe

irritavam o paladar e a llnguo. O doente

leve um sobressalto. Indubitavelmente a

succ;i'io tinha-lhe tocado as fibras mais

delicadas do seu cérebro.

Soltou um

grito

e ficou imóvel. A

suc~;io

tornou.sc

mais

forte. Um clariio de triun

fo brilhou

nas

pupilas do curandeiro. Era sempre a

mesma coisa. O mal, para sair, prostrava

o doente na inconsciencia. Ele sabia isso.

Sabia também que com a sua

suc~iio,

os males, mesmo os mais enraizados, nio

podiam resistir.

Num escarro, despejou a buca e, para

,evitar toda a possibilidade de contégio,

enxugou As costas da mfio a baba sangui–

nolenta que !he colava as comissuras dos

lábios.

Examinou o escarro.

- Comigo nada fará, caramba !

Aproveitando a inconsciencia do

doeme, apressou-se a acabar o seu tra–

tamento mergulhando-lhe o pé na águn

da coredura ainda fumegante.