sua easa o esperavam problemas sem
solu.yiio, tomou o nariz entre os dedos
como se c¡uisesse exprimir decislles e os
~eus
li.\timos escrúpulos desapareceram.
Sabia agora donde vinham os impostas.
O seu rusto lluminou-se como o duma
crian~,;a
que acaba de descobrir o segredo
do nascimento dos seus irmiiozinhos.
O
tio
era um ser verdadeiramente genial que
lbe
tinha
dado, sem dli.vida, a chave de
todos os problemas que o atormentavam.
Sua tia tinha querido faze-Io avo de
surpresa ? Niio, decidia continuar a ser
pai. Ser o pai do filho duro certo Cumba,
mesti.yodos quatro costados. Nao, dos
tres, porque o quarto era Indio. lndio
1
O
seu sangue pOs-se a frrver.
Montada em tres mulas, a familia
Pereira caminhava, por um ata!ho da
Cordilheira oriental de que ordin!lria–
mente só se serviam os almocreves que
levavam os seus produtos a Quito. Alguns
Indios seguiam em fila, vergados sob o
peso das bagagens.
Ubmte dum cruzamento Dom Afonso,
rt~~g~ft\~a~ a~~~~~~~ ~~r~~a·~' ~~ihe~~~
que seguiarn atrás dele:
- Eis onde come¡,;am os pAntanos.
-Continuamos até ande as mulas
puderem avan¡,;ar.
-Nao queres descer?
-Nao
1
A mae mostrava urna cara
aborrecida com aquele mau humor que
se sente subir das nádegas, durante as
viagens sobre o dorso duma mula,
-E
tu?
- Eu e·stou bem, papá.
é~
hornero esporeou a sna mula.
E
a
marcha desde entil.o, tornou-se lenta,
p¿sada, insuportáve\.
A
lama! A lama do
pAntano na qual as bestas se enterra·
vam ..•
Depressa resolveram pArar. A mula
dianteira pressentindo o terreno alaga–
di.yo,entesava as orelhas e irritava-se
~~: ;o~~~~~e~ assuaes&:{:sc¿r~fa~ ~~~=~
tremulantes como se o medo lhe tivesse
saltado para a garupa.
-Este animal enterrou-se na areia!
José, joao, André!
- Amitu .. .
(l)
responderam em coro
os lndios, que sempre ern fila, tinham
aparecido antes da frase ter terminado.
-Tu, Jose, que éso mais forte, leva–
rás Madame Blanquita.
8
u~ ~~~!~~~oB¿:n~~~~=:s~:~~h~v:~~:
senta libras.
-O
André e o joao para mim e para
a Lolita e os outros que dividam as car·
gas. Um nevoeiro gelado cabria o pan–
tano. Os tres Indios limpavam a geada
que lhes cabria a cara As bandas da
manga e preparavam-se para
~e
deixa–
rem montar pelos seus senhores: tira–
varo os ponchos
(2),
enrolavam as largas
~~~~~~ea~~sa s~~~r:h~;~u~
0
~~sla~~~l~J~:·
vam os ponchos As costas como se fos–
sem selas e, deixando-se morder pelo
frio que se metia pel,os rasgOes das suas
camisas de algodao sujas, apresentavam
os ombros
11.
familia que pOde assim pas–
sar da mula para o Indio.
O
aborrecimento fizera cair Oom
Afonso num monólogo interminável.
- O esgar dos que morrem de frio
é
um esgar de riso. Como os gringos tem
~az:~ ~
0
er~x;3~~r~~~f~~~:~.a.: ~~e~ s
0
a~~~
isso melhor que nós. Estao habituados a
(1)
Senhor ("eralmeote, quando falam em
esp(~)h
0
Ó ~~~~~~~
08
é
1
't?~:me~p~J~rd~\obertura
com umn fenda para
d~ixP.r
pns!J!Ir a cnbe(:a.
E' utilitado como cobertor em toda a América
hispllnica.
A SEPULTURA DOS I NDIOS
urna vida melhor.
V~m
educar-nos
e
tra–
zern-nos o progresso as milos cheias. Meu
pai, em lug'ar de ser cruel com
os
Indios
e de se entreter a marcá-los com um
ferro em brasa.como se faz aos toiros
para que se nao percam, deveria tratar
de melhorar o caminho.
O
li.nico que leve
~~~oM~~e~~(~}. ~~t:~:~~~ih~~~r~e~~~;
aproveitar a energia que a dor do Indio
desenvo\ve, para o fazer trabalhar
a.
chi–
cotada na estrada de Hiobrimbra com o
chicote que curava a soroche
(2)
do Chim–
borazo, o chicote que abria caminho nos
p!l.ntanos e nos desli\adeiros, o chicote
que 'fazia nascer o progresso.
A
sua
emo~,;ao
foi tal que saltou sobre
Andre; perdendo o equilibrio enterrou
os pés e as maos na lama.
- Indio imbecil! gritou desesperada–
mente o senhor.
E
apertando os joelhos,
agarrou a cabeleira lanuda com a 'habili–
dade dum cavaleiro que salta para a sela.
Andre endireitou-se, molhado de lama.
Tinha recebido as esperadas em plenas
costas, mas
o
frio tornara-o insensivel.
- NAo posso mais, estou gelada, bal–
buciou a mulher obesa, agarrando-se aos
ombros de jose.
Madame Blanquita pensava na Vir–
gem de Pompeia, a 11nica que a podia
ajudar num transe tiío dificil. Se ela nao
viesse cm seu socorro, como poderiam
ver o lim deste d'ceano de lama ? Estava
' ali a promessa dum milagre palpável.
No p:-óximo mes todas
a~
suas amigas
celebrariam a sua !esta em Quito. Mas
ela, Blanche Chanique de Pereira, nAo
poderla lá estar; níi.o estaria lá para osten–
tar os brilhantes das suas jóias e para
esperar no limiar da sacristia, numa
atmosfera de paz conventual, o reve–
ren~o1r:~ ~=it,a:~K~i?
seu santO confessor.
-Si
m,
mama. A rapariga aos ombros
do Indio j oAo, urdia projectos de vin–
gan¡,;a contra o perjuro•Cumba. Via-o por
toda a parte: no baile, no passeio, nas
ruas, na igreja; por toda a parte, mas
nlio nos nevoeiros que as envolviam, nao
no frio que as gelava ate aos ossos e
muito menos nesta lama ondeos Indios
se enterravam ate aos joelhos.
Os
Indios esses caminhavam sem
pen~
sar em nada.
Ao descerem para o vale, o nevoeiro
e a lama
des~pareceram
bruscamente.
A paisagem iluminou-se.
- j á se vé a casa do Jacinto, consta–
tou com alh·io Dom Afonso; e apontou
urna cabana perdida lá no fundo.
A aristocrática familia montava de
novo nas mulas.
O
ruido da cavalgada
despertou os ciiis que, dos huasipungos,
protestavaro ruidosamente.
CaJa a noite quando os viajantes fize–
ram a sua entrada na aldeia de Tomachi.
O inverno, a mont&.nha e a miséria tinham
feito de Tomachi urna aldeia de lama, de
lixo e de embrutecimento. As cabanas
agrupavam-se ao longo da única rua Jama–
cenia e semeada de montOes de lixo;
os guaguas
(S)
acocoravam-se
11s
portas
a brincar com a Jama ou nos tremores do
paludismo; as mulheres acocoravam-se
ao
pé
da lareira, para prepararem a
mol!lamorra de masltca
(4)
ou o
loero dt
cuchipapa
(5).
Um regosito de água suja
(1)
Garcia Moreno, presidente do Equador,
assassin!!Clo em Quito em 187S Católico ardente,
''"
,,,
"'
nha ecevaa.
(t'i)
Sopa de pequenas batatAS (aque!as que
se dilo a comer nos porcnsl, Em quechua (lin-
~~~co~olt/~~~~~ ~~~~~~:~~~ ~~~~~~h~~er
du:er
corria pela vieJa. Ali se sadava o gado
dos huasipungos, ali faziam os parcos
o seu Jeito para se espojarem e as crian–
~,;as
gatiuhaodo, matavam a sede na mesma
água turva.
Fazia um
!rio
cortante.
Lá
em baixo,
o vale estava silencioso, inundado duma
luz crepuscular que diminuia a silhueta
dormente das cabanas: cabanas indias,
dum só compartimento, com o chao de
terra batido, abrigadas por um teto de
palha enegrecido pela chuva e pelo fumo
d~eJ~~i~~~
1
~:~:~Jf:c~~~aa.
3
/¡~~=-p~r~~d~
com um carregamento para Sangolqui:
perlo da porta da barraca dois porcos
f~~~
06
v~rh~~vd~ ~~n~e~:a:.r1la~
1
sv
1
io~g
3
e~
cAis coro as coste1as a mostra em üeiras
que faziam lembrar um acordeon semi·
-despregado, disputavam um
peda~,;o
de
carne podre. Por todos os lados, o mesmo
cheira de madeira de eucaliptos e de
bosta de vaca queimada. Suspenso por
urna corda, em
situa~,;ao
dificil, o cadáver
de um cordeiro deixava extrair os pul–
móes e o figado .por um campones de
semblante medonho que,
l
passagem do
cortejo, tirou o
chap~u
com a mao toda
tingida de sangue.
-Como vais, Calupiña?
- !:ieg'! vootade de morrer, patráo.
E
Vossa
Gra~,;a?
- Vou indo.
O compones deitou as vlsceras numa
celha e ficou embebido a ver passar os
cavaleiros ; um cao veio Jamber o pes–
co.yosanguinolento do anho. A Miche
dt!s
fr~n~~a~ati~:: c~b::~~a:~in~~;f~ir:~
em montao e no corredor pusera um
prato chelo de ta.yalhos de porco assados
com milho. Urna das filhas do Melchior
salu a correr da cabana.Sacodia a
cabe~,;a
e soltava gritos. Qua\quer coisa que se
assemelhava a um rolo de cabelo estava
espetado no cimo da sua
cabe.ya; com
voz imperiosa a irma ordenou-lhe:
-Espera!
\
E, coma m.1io, num gesto brusco, arran–
cou-lhe o topete que foi cair nas ervas
que cresciam
a
beira da vieJa. Urna ara·
o
ha de grandes patasaveludadas meteu-se
nos carreiros.
- Boa tarde, murmuraram as duas
raparigas.
-Boa tarde.
U
m grupo de mulas esperava diante
da loja de tabaco do taita TimÓteo
{1),
Á~~o~t:~~~~Í~;~af~~~e~:l~g~af~~~a ~~~~~
citava-se na viOla com um ar do seculo
passado. O Cuso dormía, estendido stobre
os fardos de alfa,. com o chapeu sobre a
cara.
Na extremidade da rua, numa enorme
pra.ya,erguia-se a igreja que
apoiavc~
sobre compridas escoras a velhice das
suas mura\has.
A
vetustez da fachada
cootrastava com o oiro do altar-mor e
as jóias da Virgem, padroeira da aldeia,
aos pts da qua! urna centena de Indios
e de camponeses famintos depunha as
suas economías para que a Virgem Santa
pudesse comprar jóias.
Da residencia paroquial, safn a sobri–
nha do Senhor Cura, toda ornada de jóias
que a Virgem tivera a bondade de \he
d~}¡~~~tOe:p~j~~"i~x~
3
~on;f~:i:omef~s~~
embasbacada quando a familia Pereira
passou.
O cortejo náo tinha ainda entrado nos
seus dominios, mas Dom Afonso e os
~eus
já se alegravam. Os edificios da
fazenda que se erguia como urna forta–
leza no meio dum amontoado de cabanas
escuras estavam a vbta.
O mordomo avan.you. Segu.rando a
(1)
Os Indios chamarn taita (PAPé) a todolos
brancos: o taita cura. o taita patrilo,