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A SEPULTURA DOS

O

dia anunciava-se cheio de con–

tradic;óes para Afooso Pereira.

Resolvera abandonar

ll.

mulher e

a lilha o

cuidado

de

encontrarem

a solu¡;.llo para o problema que o ator–

mentava e que, como ele diz:ia, era dos

que pOem a •honra em perigo,.

Salra de casa batendo a porta e des–

pejando um rosário de juras e maldi¡¡i:ies.

As suas faces, avermelhadas por terem

estado muito tcmpo expostas ao sol, exa–

lando ainda o ar e o aroma das terras

mootanbosas, tinham-se tornado llvidas.

Mas, lentamente, a sua bilis acalmava-se,

a atmosfera da rua exercia nele benéfica

influencia e as suas faces voltavam a cor

natural.

As cabe¡;as que se descobriam e se

inclinavam

A

sua passagem apresenta–

vam·se sorridentes, dada a considera¡;lio

que ele

possula na alta burguesia. Era

honesto e afável.

«lsto nao pode durar•, pensava ele.

A

imprudencia de uma garota de dezas·

sete anos nAo podia levar

rJ.

desonra de

todos. Mas, como sempre, as ideias sal–

vadoras nAo encontravam lugar no seu

cerebro

e

ficavam prisioneiras dos seus

ponhos endurecidos.

O aumento continuo das suas dividas

n1io era de natureza a melhornr o humor

~~~e~~~. ~r:~~~h~~v!~:;e;is~~~ a~

0

B1n~!~

os impostos fiscais amontoando-se em

divida odiosa: imposto predial, imposto

sobre a renda, imposto sobre o pouco

~u~~~ e~~~ri{~b~~~~:;:ia~:seC~~~:~a~~~~

fusdo de impostos e as suas faces torna·

vam

a

pOr-se cadavéricas.

No momento preciso em q ue se

apressava

a

atravessar a rua, um auto–

móvel, de linhas aerodiné.micas, fe-lo

parar e, por momentos, ficou como que

em equilibrio sobre o bordo do pnsseio.

O seu credor mais receoso, o tio jUlio

- aquele de quem oiio tinba conseguido

obter a menor espera- pOs a cnbe.;a de

fora do automóvel e fez-lhe sinal para

se aproximar.

- Como está, meo tio ?

-Sobe. Tenho que te faJar.

-A'

vossa disposi.;ao como sempre,

mcu querido lio, murrourou ele; e sen·

too-se ao pé: deste bomem gordo, de

sobrancelbas espessas, que nao falava

nunca seni\o na primeira pessoa do plu–

ral, como um

gansgler

ou um empregado

de balcAo.

Alguns minutos mais tarde penetravam

no escritOrio do velho Pereira; por detrás

da porta de vidro grosseiro, urna mesa

enorme desaparecia debaixo de papé:is,

canas e livros. Esta mesa, dois classifi–

cadores de cor verde azeitona, largas

cndeiras de coiro, donde se podia fazer

frente nos nfazeres mais grandiosos, um

enorme quadro representando o Sagrado

Corac;iio de j esos, pintado por om certo

M. Mideros e o bengaleiro, que aguardava

os

chap~us

e os

guarda~chuvas,

sorrisos

e galanterías, constituJam o recheio deste

escritório.

- Bem, meu caro sobrinho.. ,

Perplexo, o jovem Pereira tremen.

-A

letra de dez mil

sucres(l)

que tu

nos deves, já se

venc'l~o

há tres meses.

Se nao te ternos apoquentado é: porque

possuimos um projecto que nos enrique–

cer!\ a todos. bzemos já tres viagens de

explora.;iio a Cuchitambo. Está num

estado de abandono que dá pena ver.

Paternalmente, continuou:

-Se tu quisesses pensar nisso a sério

e seguisses os mcus conselbos e os de

Mr. Cbapy!

-Mr. Chapy?!

-O chefe da explora.;ao floresta]

do Equador. Tu conseguirias niio só pagar

a tua divida, mas també:m tornares·te,

em dois ou mais anos, um dos principais

do negócio. O nosso inquérito deu os

melhores resultados; descobrimos impor·

tantes reservas de bosques que podem

servir A fabricac;áo d11s vigotas: mirtos,

canota preta, moliton, huilmo, pantza

(2),

e muitas outras.

É

urna regiao verdadei·

ramente privilegiada. Sabes que

e

la pode–

rla perfeitamente sustentar todos os

caminhos de ferro da RepUblica?

E

as nos–

sas companhias ferroviárias teriio vanta–

gem em nos comprar madeira e vigotas.

-Mas . ..

- Creio que o gringo

(3)

descobriu

petróleo

o

estas regiOes. Leste o cDia»?

-Nao.

- Vem lá um artigo muito documen-

tado sobre a riqueza petrolífera das

terras da Cordilheira Oriental, e compa–

ram-nas as de Baku.

Afonso fez um sinal com a cabe((a,

como se Baku fosse do outro lado da rua.

-Tudo isso é muito tentador para

nós e muito especialmente para ti. Mr.

Chapy consegue-nos as máquinas que

nem tu oem eu jamais poderJamos enco·

mendar. Mas

o

nosso associado mio o fará

sen<\o quando se fizerem alguns melhora–

meotos indispensáveis na propriedade.

- Melhoramentos?

-Naturalmente. Urna estrada para

aulomóveis, a compra das florestas de

Filoccorra\es e Tuamani, a supressiio nas

doas margens dos rios dos huasipun–

gos

(4)

dos Indios, a

íim

de permitir a

construt;iio de habita.;Oes confortáveis.

(1)

fo1oeda equatoriana

qu~

vale actual–

meme '6«!0.

rica~~-

ArYores da

floresta tropical Sul·Ame-

l3) Nome que se dé na América do

Sul

aos

curopeus

ou

aos Vankees.

Bo~

4

JoHdU:~tr~~~~Od~u~¡a;'t

des

lucros

INDIOS

-Mas para {azer tudo isso num ins–

tante .. .

- Parecer-te-ia menos dificil se nii.o

estivesses habituado a receber, sem

nenhum trabalho, o que te mandam Os

teus administradores ou os teus huasi–

camas(lJ.

-Eu .. .

-Os resultados nao se fazem esperar;

a tua fortuna está por terra.

- Niio é: que . . ,

D.

Alonso nao encontrou um pretexto

que o libertasse do olhar inquisidor do

bravo tio; e contentou·se

e

m encolher os

ombros, com o ar de quem se sentía

irremediAve\mente perdido.

- Niio e o momento de te deixwes

abater, disse o velho num tom breve

pondo-lhe papéis

a

sua frente.

-Mas

e

necessário, ..

- lndispensl\vel.

- Far-se-á o que se poder. Mas os

Indios niio quercriio abandonar os seos

huasipungos.

-Tu és o senhor.

- Lembre-se das revoltas que reben-

tavam nos tempos do meo pobre pai-

e

pelas mesmas razOes. Tem urna grande

ternura por esse pedac;o de terra que se

lbes empresta em !roca do seo trabalho

e sobre o qua! constróem as suas caba–

nas, fazem as suas sementeiras, criam

os seos porcos. as suas galinhas e os

seos porcos da ·India.

- É

necessário sacrificar todo esse

sentimentalismo. O que

é

preciso é criar

urna tal for.;a de vontade que todas as

dificuldades, por muito reais que sejam,

possam ser vencidas. Que nos impor–

tam pois estes ludios? Primeiro estamos

nós!

A questiio que, desde há momentos

já, trabalhava o inconsciente do jovem

Pereira- os impostos relaxados-tomou

a forma imperiosa duma objecyiio.

Bal~

buciou:

- Mas onde arranjar brac;os e dinheiro

para todos estes trabalbos?

-Nos Indios

1

-Mas Cuchitambo.. .

o

din~~fr~e:u~e~¿~á

f!

fo

0

r~~~~r~~~s~

0

~

~~~~r~s ~~mQ~~~a~~l~r~~~s ~: 1;:~~~~~~;

compraremos os Indios que lá vivem e

com os Indios, os bra.;os que abrlriio o

caminho nas montanhas. Entiio?

Di

ante das besita.;óes do seu sobrinbo,·

o

velho comerciante exaltava-se; lan–

.;ou-se ao ataque e o seo sermáo foi

atestado de frases explosivas.

dav~

0

~r;!oúj~~~

0

foi~;~md:%~~~~e~~:~

mas, lembrando-se bruscamente que em

(1)

Huasicamas- indios encarregados da

casa

do

amo,