Table of Contents Table of Contents
Previous Page  18 / 30 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 18 / 30 Next Page
Page Background

centavo. Se por azar aparecerem os res–

pigadores, manda-os embuta a pontapes.

Eu

preveni os dos outros campos.

E' lempo de acabar com este costume

ridlculo. Acabaram por se convencer que

eu era o seu pai, a sua máe, sei lá que

mais 1 e que \hes devia dar de comer

sem fazerem nada. Os respigadores., .

vem buscar a colheita, e o que eles vem

fazer. Caramba

J

- Mas, patráo, se eles sabem isto,

pode muito bem acontecer que deixem

de ceifar, patra:o.

- Nós os fa remos terminar a chico–

lada .. , Pois entao estes nl'io sao os meus

Indios ? Além d,lsso eu ja fiz retroceder a

toda a velocidadc os da aldeia que tinham

descido com as mullieres e os guaguas;

como se, Hio belila como nos outros anos,

eu estivesse disposto a deixá-los respi–

gar1que

\•á

o procurar outro qut: os sus–

tente . .. A epoca da estupidez acabou.

Os Indios ofegantes, limpando a cara

as costas da máo, miraram-no. As caras

estavam brilhantes de suor. Ele tomou

um tom compassivo:

- Tens-lhes dado chicha ?

- Oesde pela manhl'i.

- Dá-lhcs outro trago... E' preciso

Ser caritativo. O essencial, como ves, e

ter bom cora¡;ao. Tu nao vb como eles

estl'io suados?

Satisfeito por ter mostrado a sua gran–

deza de alma, Dom AfonJ';Oesporeoo a

mula e afostou-se a camiuho da aldeia,

dei-sando Policarpo

con~ternado.

Nunca

como agora o patr3o se tinha mostrado

tli.o miser8velmenteavaro. Nos anos ante–

cedentes, anos medfocres, ele nunca

fizera questáo do defeso de respigar.

~~~~~:lap~eac~~~Üc~~t~u~~d~c~~~~ó::~~

graos encobriam ate os menores recan–

tos da casa que .•

-Ah! eu compreendo•.. Que imbecil

eu sou .. . O que ele quer é auxiliar os

Indios com pequenas esmolas. Porque,

nesse caso...

POs-se a meditar sobre a cheia, sobre

os huasipungos arrebatados pelas éguas,

sobre os mortos, sobre as familias esto–

meadas. Apeteceu-lhe beber. Alem disso

o patrao náo acabava de !he dar ordens

nesse sentido ? Reuniu toda a sua gente

e distribuiu abundantes r:u;óes de chicha.

Sentiu tanto prazer ero encber boas me–

didas, como sentiria em se resgatar.

Depois, bebeu também, o;em deixar de

pensar: •Sim, agora

e

preciso que tu lhes

des dois punhados de milho ou do que

quer que seja, a cada unu, afirmou ele

em voz alta

e

sem razao.

-Sim, é preciso que ele !hes dé dois

punhados. E' preciso que ele os a}ude.

A' medida que passava em revista os

seus campos, os projectos de Oom Afon–

so tomavam urna nova amplitude. Era

possuidor duma explendlda colheita,

duma dessas colheitas a que us seus

amigos cbamavam a uorte grande». Em

presen~a

dum porvir ti!.o encantador,

Doro Afonso

dei;~:ava-se

dominar por

todas as formas de avareza. Em primeiro

lugar, era preciso vender por bom pre¡;o,

sob pena dos aldeóes nao pot1erem com–

prar, por falla de dinheiro, a colheita

que pusesse em

pra~a!

Sem contar que

em Quito o

prc:~o

do griio era muito

bah:o na época das ceifas. Esperaría.

Estava dlsposto a náo deixar fugir urna

ocasiáo tao brilhante comu a que Deus

acabava de \he dar. Oeu um tal suspiro

de angústia que a sua mula levantou as

orelhas. Náo ... Nio .. , aguardarla e,

logo que as

cota~óes

estivessem na alta,

servir-se-ia da estrada e inundarla o

mercado da capital.

Agora,

gra~as

A estrada ia conhecer

~~~rc~~~~~s~ s:;s~ae:;:;::s ~~~

0

~1~¡1~~

reservava. O cura nli.o seria o único a

tirar proveito deJa. Pobre cura l Ele havía

de precisar que ele lhe alugasse os seus

A SEPULTURA DOS JND JOS

camióes. Por dez, vinte viagens. Dorn

Afonso sentiu-se tomado duma crise de

bondade lacrimejnnte. Lameotou as co–

lheitas que as cheias tinham levado. Vi–

brou num amor profundo pd o cura, pelo

Jacinto, pelo vesgo Rodriguez, pelos

irmaos Ruata. Estava afectuoso e sensive

l.

Abriu os

bra~os :

-Siro... Nós somos todos irmá:os.

Tinha lágrimas nos albos n1as quis

defender-se contra a comoc;ao e esporeou

a mula. O animal fez uro desvio e partiu

a galope em direc¡;áo a casa do cura.

O vento qne sacudia o cimo das árvo·

res, em turbilhio frenético, ia quebrar-se

de encontro

~

porta da cabana de André,

abrindo-a completamente. Cunshi, a toda

a pressa, preparava um punhado de

milho roubado n·um huaslpungo vizinho.

Ouviu bater a porta e franziu as so–

brancelbas. Tinha os olhos avermelhados

pelo fumo e o seu lábio superior levan–

tado, mostrava os dentes e o alto das

gengivas. Com receio de que os vizinhos

pudessem sentir o cheiro da cozinba,

apressou-se a ordenar ao seu fedelho:

- Vai depressa pOr a tranca .•• Nao

é preciso que os vizinhos nos espiem.

Coma lace enlambuzada de

mamaJ>ot·ra

o guagua obedeceu, pOs um bocado de

madeira atrfls da porta, e voltou para o

canto ondeo esperava a marmita e os seus

residuos endurecidos de

a~orda

azeda.

Ante~

de se inclinar sobre a merenda,

lam;on um olhar de inveja para a panela

onde saltavam os grl'ios de milho.

- Senta-te,

i~to

e só para o pai. Tu

já tens a marmita cheia; o que é que

queres mais ?

·

O garoto amuou e acocorou-se no seu

canto; depois coro a marmita entre os

joelhos, resignou-se

e

pOs-se a lambe:-la.

André regres!lava do campo. Acabava

de deixar os

cornpanheiro~

que moravam

na colina ; ali, a fome fazia-se sentir

cruelmente.

Passada urna semana, já os fndios

esperavam as esmolas que o patrao tinha

por costume distribuir-lhes depois de

cada colheita. A esmola - urna magra

fanega- constituia com o huasipungo

emprestado e os dez centavos de salério

quotidiano e teórico, os recursos anuais

duma fam!lia india.

Dom Afonso tinha esquecido o cos•

tume; porque náo se queda acreditar

que o que

se

dizia na aldeia pudesse ser

verdade:

t.-

Ele náo dará esmola aos

pobres Indios este ano. Compra milho,

batatas, trigo, enfim, tudo, nas nutras

fazendas, para vender em Quito quando

os pre¡;os subirem •.

O cáo lan¡;ou um latido prolongado;

anunci11.va

a passagem de André por de–

trás da casa, donde safa um cheiro a páo

quente

1

bom cheiro a comida que fazia

contrair os estómagos em jejnm.

Estugou o passo. Nao ousava ainda

acreditar que alguma coisa de comer o

esperava.

No dia seguinte, de manhá, os Indios,

um por um, chegaram a casa do patrio,

sentarem-se A volta do pátio e espera–

raro que Dom Afonsito

se

Jevantasse,

Vinham apresentar-lhe os seus lamentos

e descrever-lhe a sua completa miseria ;

até

i\

.hora do pedido, falaram em voz

baixa das esn1olas conseguidas hos anos

anteriores, como se quisessem convencer-

•se, recordando-o da for¡;a deste hébito.

O mordorno, todo inchado de impor–

tancia, náo cessava de entrar e sair de

casa espa,lbando entre os grupos noticias

alarmantes.

-O patrao está assim ...

- O patriio está a levantar-se...

-O patráo está a tomar cafe..

- O patrl'io está pronto.

E, sucessivamente, os Indios agrupa–

varo-se, abandonando toda a preocupa4Jio

pessoal para criarem uma espécie de

personalidade colectiva.

De repente, o patráo

apresentou-~'"'

na galeria. Os tlHJrmúrios cessaram ime–

diatamente e o medo cresceu. O patrl'i.o.

arrogante, tinba na m.lio um pingalim

que lhe servia para pontuar as suas

ordens.

- Que bá?Que querem? perguntou ele.

Mas nada rompeu. o silencio que se

seguiu. Ninguem, de entre os Indios ater–

rorizados, ousou formular a sua

peti~io.

- Que querem ? VAn ficar aqul como

idiotas ?

Entl'i.o Policnrpo, sentindo os olhares

suplicantes dos Indios fixos nele, avanc;ou

para o patrio e falou em seu nome,

ligeiramente perturbado :

-E' que, patrl'io ... eles estlo a\1,.,

eles vieram para suplicar a Vossa Senho–

ria que !hes

fa~a

a caridade de . . .

Andrt e os Indios,que estavam na pri–

meira fila, notaram o tom hesitante do

porta-voz e, nervosos com a idela de um

fracasso, apressaram-se a conclui r a

sUplica.

-A esmola patrl'i.o, •.

- Nós morremos de fome.

-Se nao nos der nada para que lado

nos havemos de voltar ?

Foi entl'io cumo se a comporta que

tinha durante muito tempo retido os

lamentos desta turba se abrisse; todos

encontraram alguma coisa para dizer,

todos acreditaram que os seus sofrimen–

tos eram os mais dificeis de suportar,

todos quiseram expor a tragedia dos seus

huasipungos

1

todos murmuravam alguma

coisa. porque todos tinham alguma coisa

a pedir.

O ruido confuso e desagradável de

todas estas vozes tomava quase a forma

de provoca¡;io e amea¡;a, que satisfazia

e

assustava, ao mesmo lempo,os próprios

Indios. Nao procuravam revoltar-se, ape–

lavam simplesmente para o corac;ao deste

homem de mau humor que, nervosamente,

batia com o chicote nas botas.

- O pouco que deu o huasipungo

se

comeu.

-Por causa da cheia nl'io ternos mais

onde ir.

- Tu tens sempre dado, patrl'io.

- Só agora

é

que nao queres dar.

-56 um pouco de milbo

!

- Esmola !

- Esmola !

Tinham esgotado todos os seus argu–

mentos e repetiam incansAvelmente :

- Esmola !. .. t:Sucuritus».

Este ruido, que invadiu a galeria, pOs

Dom Afonso fora de si. Sacudiu a cabec;a

furiosamente como se a multidáo \he

tivesse colocado um gancho na garganta

e pós-se a berrar:

- Caramba! Eu

disse mil e uma

vez que nl'i.o vos dou nada. E' um cos–

tume idiota. Pago-vos dez centavos por

dia. O que

e

que querem mais? Fora

daqul!

As sUplicas cessanm mas os Indios,

com o estOmago vazio, niío tinham ainda

compreendido. O que e que ele querla

dizer por 4!:este costume idiota"' ? Ficavam

lmóvt'!is, quedos e mudos. En t

!i

o, no

espirito do patráo fez-se luz sobre diver–

sas reflexOes financeiras:

~Era

m precisos

nada menos de trinta quintais para

dar a esses Indios ordinários. Trinta

quintais que se podem vender por bom

pre¡;o em Quito. Que podem servir para

pagar ao cura o aluguer dos camióes. Se

nao

SOLI

intransigente, nl'i.o terel dinheiro

suliciente para tomar parte de urna

maneira activa no negócio dos gringos.

Estes ladróes dos Indios querem arruinar

o futuro dos meus filhos e o meu. Ab!

mas nao terao nenhuma sorte comigo.

Eu sou um homem 1,. Agarrando o chi–

cote com as duas máos e arqueando-o,

exclamava:

- Por que esperam ? Nao percebe–

raro? Caramba!