![Show Menu](styles/mobile-menu.png)
![Page Background](./../common/page-substrates/page0021.jpg)
-Ay .. . Ay... Ayayay.
- Ddu·nO'I dormir.
-Ay•.• Ay ... Ay.,yay.
-0
que
e
que te dot?
-A
barnga.
- Querc: .. que ta esfregue
pouco de sebo?
-Nao
há.
-
Qu~ru
u
m
tijolo quente ?
O lndto foi para a lareira, esgara–
vatou a
Cinta
escaldante que !he quei–
mou os dedos e aplicou no ventre da
Cunshi uro tij
olo queestava ainda quente.
-A
raray,
can.jú1
hso que1ma-me.
- Melhor .
•. E' preciso que o suportes.
O
calor n:io teve outro deito senBo
tornar as dores mais fortes. A noite pas–
sou-se ahim no medo de lamentos, gemi–
do~,
gritos da mulber e impreca¡;Oes de
A
odre.
Enfim, a claridade do dia come¡;ou a
filtrar-se pelo tecto de colmo e calu sobre
o entorpecimento de Andrt e Cumhi. De
madrugada, esta fez um esfor¡;o para se
levantar, porque havia scmpre que fazer
no huasipungo. Ficou alguns instantes
a~sentada,
entontecida, sonolenta, mas
as forc;as abandonaram-na e calu pesada–
mente sobre o guagua cujos charos acor–
daram o pai,
- Cala-te,'animal, ameac;ou o Indio
levantundo-!ie. Agarrou nas suas (erra–
mentas e tentou
de~pertar
a mulher.
-Cunsbi ... Cunsbjl Ainda te dói a
barriga ?
A cara da mulher pareceu-lhe estra·
nhamente calma,
-Cunshiit!
Um
so~ro
de vida pareceu entao ani–
má-Is. Os olhos
en~reabrir~tm-se
e
asna
boca deixou escapar um qneixume.
-Caraju... O
qu~
t
que Jhe faria
bem? murmurou o marido coc;ando a
cabec;a.
-Se quiseres, flca a dormir ainda
um pouco.
O guagua acordou
¡
dos ponchos que
ele acabavH de deitar para trás, evola–
va.seu
m
cheira de excrementos fermen–
tados.
-Que fizeste? interrogou o pai,
ameac;..dor.
O pequeno, por resposta, abanou a
cabc~a nt"go~tivarnente,
olhou para mais
srguran·~a
para o lugar onde dormira e
depois cnnvidou o vai a vir iotdrar-se.
-
EntAo, donde pode vir este ('heiro,
continuou o Indio vohando os cobertores.
Cun~hi
tinha obrado no Jeito como
urna cri1111c;1:1 pequena.
-Como uma crianc;a! repetla o Indio
olhando as pernas e 11s cuxas da mulher,
mas sem ousar formular urna censura,
-
Foi uma desgra¡;a que lhe aconte-
ceu .. .
Oa
soleira da porta, chamou o cao.
- Tototototooo.
Sobas indic11c;Ocs do patr8o, o animal
empn:endeu hmpar as pernas da doente.
O o1har do Indio
ia da
lingua do cao
que lambia os e.xcrementos, para a cara
de Cun!>hi, escaldante de febrt'.
-
fi.,sta, gntou : vor11z, com a guela
deb~tixo
da Cllmha da mulher, o cao
parecia pronto
a
morder-lhe a nádega.
A respira¡;Ao da Cun ..
hl
htZla-~e
ainda
ouvir peno ...amente
¡
mas a imoi:Hiidade
da mulher,
t:-"te
sono matinal invulgar,
as~u~t<~vam
o Indio mais que qualquer
outra coisa.
E
de a ver assinl toda suja,
sentia por ela urna ternura rle pai; tam·
btm e!>tava tomado de remorsos: ao
lembru-se dos caes que tinha enforcado
no f-álio da fazenda, dos caes maus e
ladróes. Enfurcava-os e eles morriam
depois de
~e
terem
compnrr~~.do
como a
Cunshi. [,lava tia morta? Tocou-lhe na
cara, ma!l utaYa
m;~is
quente que,.nunca.
En tAo cobriu-a com u
m
poncho e notando
que
a
crianc;a se calava porque
a
sua
máe eslava a dormir, agarrou na (erra–
menta para ir para os campos e embre·
nhou-se no atalbo a passos largos.
A SEPULTL' RA DOS JNIJI U S
Avan¡;ou dpidamente, a
cabe~a
vazia,
as~ustado
como se diante dele se tivesse
aberto bruscamente um buracu em qoe
se tivesse precipitado e de que nunca
mais atingiria o fundo. Procurav41
men~al
mente um apoto m11S
ludo !he fugia.
Olbou
k
volt<~,
mas nAo viu senAo caras
iróuica!'.
,As
dore11 dos Indios podi11m ser
outr<~
coisa senao objecto de troc;a? Auim,
nAo bavia outro rerutdio para os seos
sofrimentos senao ir cavar um rego.
E
afundava
a
relha da charrua na tcrra e
chicoteava os bois com fUria. Toda a
manha passou a repetir estllpldamente:
e
Como se fosse urna criaoc;a pequena •;
fher~~~:'!:ddose~t~¡~oti~:~r~~'s ~~~~:raa~:
com gotas de su
or.Ao meio-dia,
n.aopOde dominar por
mais lempo a s
ua inquietac;iio. Abando–
nando os animais,sem prevenir ninguem,
porque
se
o fizesse nio o deixavam par–
tir, come¡;ou a subir a colina ¡em se im–
portar com os gritos do mordomo.
O vento que soprava do pAntano e o
perfume da terra recentemente cavada
refrescavam os seus pensamentos, sem
por is§o afruxar a marcha.
A
crianc;a chorava. Rodeou com os seus
bracos as pernas do pai, impedindo·o de
entrar na cabana e repetlndo com um
grito plangente:
-Mama..• mama•..
No meio do compartimento, semi-nua,
vloláct"a, Cunshi torcia-se,
o~
olhos de–
sorbitados, os cabelos enroli!.dos
l
volta
do pesco¡;o.
cD~:ve
ser
m~:~l
que entrou
neta, mal que a obriga a torcer-se aSsim,
mal que a
f<~rá
sofrer ate a matar•, pen–
sou Andrt com horror: e,
tom~:~do
pela
neceSroidade imperiosa de dominar o es–
pirito do mal. lan¡;ou-se sobre a doente,
paralisando os seus movimentos com
toda a forc;a das suas maos, prendendo–
·lhe os brac;os, colando-a ao chao. A
mulher
~oltou
um glito atroz. Os cabelos
em desor(lem, agitava·!'e num
e~tertor,
mas o Indio com o joelho, lmpediu·a de
se mexer. Passaram-se a..;sim alguns mi–
nutos; depots a Gunshf, numa última con–
torsio, tentou libNtar-¡,e do peso que a
esmagava e cafu em prostrac;ao completa,
~~~asiil!~~i:~i~i,:~~d~e~e~~;;a~~
0
~i:;~~
nova
resist~ncta.
Carreguu com mais
forc;a sobre
as
carnes moles, sobre um
corpo sem forc;a, sobre
c~ota
coisa que j!
nAo
re~pondia.
Desesperado,
lan~ou-se
ao
ch~o. Obstinava-se
e
m procurar vida onde
nAo havia mais que um cadávtr. Porque
náo se
m~xia
e la? Sentia-se grande para
dominar tudos o espirilos do mal por
mais rr:nitentes que fossem. Mergulhou
em Jonga
contcmph·~~o,
inclinando sobre
aqueJa face alterada, sobre aqueJa bAba
sanguinolenta que'¡ dos cantos dos lábios,
corria pela car11. ate aos cabc\os.
Mudo,
ex:~usto,
iuclin11ndo a sua dor
para a hce da morta, niio pOde reter por
m11is lempo as lágrimas Lá fora, o gn11gua
continuava
a
chorar
e
o cae, cansado de
ladrar, ficava
A
escuta, na sombra da
cabaoa.
De tarde, Policarpo passou em busca
de nolfcias.
- Andrt l Porque fugiste?
Como ningutm respo11dessf', o mor–
domo <obriu
a
porta e, no limiar da cabana,
a!>plrou o ar. Quando deu conta do que
se pas!'<ava, afirmou :
- E' bem
fdto. Por ter querido rouhar,
por ter comido o cadáver, o Indio Jose
Rafael e...tá em
ri~co
de
reb~ntar
na sua
cabana. Por nao ter querido
c~cutar.
,...... Mas agora vtja
~oe
pede algama
coisa ao palráo para o enterco.
- Vou ver se e-le quer dar, respondeu
Policarpo, interessado, pensando na pt:r–
centagem que lbe podcria c;.bt r.
Os parentes e os anoigos comec;avam
a afluir.
li
Os músicos (um aoprando
nt~ma
flauta
e outro tocando tambor), colucarilm-se
atrás da
c11be~a
da morta estendida no
chiio entre quatro mecb11S
de
sebo que
bnlhavam nos vasos de argila coztda.
E
atacar;~.m
a ária de S3.o·JoAo, ária monó–
tona, desesperadora, que: niio devia aca–
bar senao nn momento em que a morta
b10.ixasse
i\
!'epultnra.
O marido, parente mais próximo da
:~~Pa~~~Z~
0
a~-~á:l~g~~~a~
0
d~~l~:~~~i~
pe lamentos intcrmináveis.
-Ay
Cnnshi sba.
-Ay
linda sba.
- Quem cuidará dos porquinho10 ?
- Porque partes
~em
te importares
com o porquinbo da fndla?
-Ay Cun ...bi sha.
-Vais-me deixar completamente só?
- Quem semeará o huasipungo?
- Quem cuidará. do guagua?
-Ay... Ay .. , Ay...
-Vamos colber erva para os porcos
da lndia.
-Vamos apanbar lenha na floresta,
-Que
m
irá ver se a galinha pOs ovo?
-Ay Cun!>hi sha.
-Ay
linda sha.
-Porque me deixas sózinbo?
-O guagua está a chorar.
-0
dio está a latir.
-O milho está a lastimar-se.
-A floresta está sombria, tao som-
bria .. ,
- Nós nao ternos nem milho, nt'm
mislwquito
(1)
1
nem
tl(lmbilo,
niio temoo;
nada ..• porque nao bá
m~tls
nada pora
semear.
-Basta a fome para chorar.
-Onde queres que se encontre
sem~nl~ '(:~~"~:~;~=~?
o
-Ay minha linda sha.
- Outros anos vhiio em que n6s tere-
mos bastante para comer.
-Mas este ¡¡no, o taita
Diuúlo
castl–
gon-nos. Tu morreste de fom e, mas
é
preci~o
sofrer em
sil~ncio,
e
preciso
sofrer em silencio.
-Ay Cunsht sha.
-Ay minha linda sba.
Com os lábios
seco.~,
garganta seca, a
alma seca, o Ind1o continuava a grit¡¡r; as
virtudes da sua mulher pa!>saram
t~li
todas; no silencio da cabana, cm pre–
scnc;a
dus
companhciros btbedos e "olu–
~antes,
ele podia diur tudo. Quando o
viram exausto, incapaz de proft·rir outra
cois:t que nAo Josse sons
inintcli~lveis
e
rouco~,
kvaram-no para um canto onde
, prosHguiu nos seus soluc;us e pr<ontos.
Ou1ro parente tom
ou o seulugar; e
passadas uma·ou duas
horas.delanu:ntos,
tambero este foi Jev11d
0 porSUCI.
vez para
um canto.
A
mús1ca monotona do Sao
Joiio e os barris de guara]JO ndiantados
por Joana despertaram lentamente o coro
dos lamentos.
-E'
a minba vez de
clta.(quihay
(2),
murmurou um dos tios du ddunta e,
agurraudo a carpideira pelos sovacos para
a dispensar dos seus soluc;os, colocuu-se
no
~oeu
lugar e come¡;ou sem demora a
dar gritos hi.!ottricos.
Andrt bcbia muito como se quisesse
e~quecer
na bebt"deira um ódlo qu¡: aca–
bava de
na~cer
nele.
E
bto durou
tr~s
dias.
O chasquib:.y e:-gotou-se.
O
chelr" do
suor humano, do balito dos btbedoll. dos
excrementos do pequcno
~uagua,
vinham
juutar·se ao (edor do cadáver que se
decompunba.
-
}t~chyma}•shn}'
(3).
-
Jacbymayshay.
11)
Planta
culo
bolbo
é
comestr\>f'l,
(2) Lamento dos parentes em frente do cad!l·
~er(:o¡)
Costume Que mand11la11sros mortosa fim
de QUe
fa~am
em ordem a Vill!¡\em
eterna.