Table of Contents Table of Contents
Previous Page  21 / 30 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 21 / 30 Next Page
Page Background

-Ay .. . Ay... Ayayay.

- Ddu·nO'I dormir.

-Ay•.• Ay ... Ay.,yay.

-0

que

e

que te dot?

-A

barnga.

- Querc: .. que ta esfregue

pouco de sebo?

-Nao

há.

-

Qu~ru

u

m

tijolo quente ?

O lndto foi para a lareira, esgara–

vatou a

Cinta

escaldante que !he quei–

mou os dedos e aplicou no ventre da

Cunshi uro tij

olo que

estava ainda quente.

-A

raray,

can.jú

1

hso que1ma-me.

- Melhor .

•. E' pr

eciso que o suportes.

O

calor n:io teve outro deito senBo

tornar as dores mais fortes. A noite pas–

sou-se ahim no medo de lamentos, gemi–

do~,

gritos da mulber e impreca¡;Oes de

A

odre.

Enfim, a claridade do dia come¡;ou a

filtrar-se pelo tecto de colmo e calu sobre

o entorpecimento de Andrt e Cumhi. De

madrugada, esta fez um esfor¡;o para se

levantar, porque havia scmpre que fazer

no huasipungo. Ficou alguns instantes

a~sentada,

entontecida, sonolenta, mas

as forc;as abandonaram-na e calu pesada–

mente sobre o guagua cujos charos acor–

daram o pai,

- Cala-te,'animal, ameac;ou o Indio

levantundo-!ie. Agarrou nas suas (erra–

mentas e tentou

de~pertar

a mulher.

-Cunsbi ... Cunsbjl Ainda te dói a

barriga ?

A cara da mulher pareceu-lhe estra·

nhamente calma,

-Cunshiit!

Um

so~ro

de vida pareceu entao ani–

má-Is. Os olhos

en~reabrir~tm-se

e

asna

boca deixou escapar um qneixume.

-Caraju... O

qu~

t

que Jhe faria

bem? murmurou o marido coc;ando a

cabec;a.

-Se quiseres, flca a dormir ainda

um pouco.

O guagua acordou

¡

dos ponchos que

ele a

cabavH de deitar para trás, evola–

va.se

u

m

cheira de excrementos fermen–

tados

.

-Que fizeste? interrogou o pai,

ameac;..dor.

O pequeno, por resposta, abanou a

cabc~a nt"go~tivarnente,

olhou para mais

srguran·~a

para o lugar onde dormira e

depois cnnvidou o vai a vir iotdrar-se.

-

EntAo, donde pode vir este ('heiro,

continuou o Indio vohando os cobertores.

Cun~hi

tinha obrado no Jeito como

urna cri1111c;1:1 pequena.

-Como uma crianc;a! repetla o Indio

olhando as pernas e 11s cuxas da mulher,

mas sem ousar formular urna censura,

-

Foi uma desgra¡;a que lhe aconte-

ceu .. .

Oa

soleira da porta, chamou o cao.

- Tototototooo.

Sobas indic11c;Ocs do patr8o, o animal

empn:endeu hmpar as pernas da doente.

O o1har do Indio

ia da

lingua do cao

que lambia os e.xcrementos, para a cara

de Cun!>hi, escaldante de febrt'.

-

fi.,sta, gntou : vor11z, com a guela

deb~tixo

da Cllmha da mulher, o cao

parecia pronto

a

morder-lhe a nádega.

A respira¡;Ao da Cun ..

hl

htZla-~e

ainda

ouvir peno ...amente

¡

mas a imoi:Hiidade

da mulher,

t:-"te

sono matinal invulgar,

as~u~t<~vam

o Indio mais que qualquer

outra coisa.

E

de a ver assinl toda suja,

sentia por ela urna ternura rle pai; tam·

btm e!>tava tomado de remorsos: ao

lembru-se dos caes que tinha enforcado

no f-álio da fazenda, dos caes maus e

ladróes. Enfurcava-os e eles morriam

depois de

~e

terem

compnrr~~.do

como a

Cunshi. [,lava tia morta? Tocou-lhe na

cara, ma!l utaYa

m;~is

quente que,.nunca.

En tAo cobriu-a com u

m

poncho e notando

que

a

crianc;a se calava porque

a

sua

máe eslava a dormir, agarrou na (erra–

menta para ir para os campos e embre·

nhou-se no atalbo a passos largos.

A SEPULTL' RA DOS JNIJI U S

Avan¡;ou dpidamente, a

cabe~a

vazia,

as~ustado

como se diante dele se tivesse

aberto bruscamente um buracu em qoe

se tivesse precipitado e de que nunca

mais atingiria o fundo. Procurav41

men~al­

mente um apoto m11S

ludo !he fugia.

Olbou

k

volt<~,

mas nAo viu senAo caras

iróuica!'.

,As

dore11 dos Indios podi11m ser

outr<~

coisa senao objecto de troc;a? Auim,

nAo bavia outro rerutdio para os seos

sofrimentos senao ir cavar um rego.

E

afundava

a

relha da charrua na tcrra e

chicoteava os bois com fUria. Toda a

manha passou a repetir estllpldamente:

e

Como se fosse urna criaoc;a pequena •;

fher~~~:'!:ddose~t~¡~oti~:~r~~'s ~~~~:raa~:

com gotas de su

or.

Ao meio-dia,

n.ao

pOde dominar por

mais lempo a s

ua in

quietac;iio. Abando–

nando os animais,sem prevenir ninguem,

porque

se

o fizesse nio o deixavam par–

tir, come¡;ou a subir a colina ¡em se im–

portar com os gritos do mordomo.

O vento que soprava do pAntano e o

perfume da terra recentemente cavada

refrescavam os seus pensamentos, sem

por is§o afruxar a marcha.

A

crianc;a chorava. Rodeou com os seus

bracos as pernas do pai, impedindo·o de

entrar na cabana e repetlndo com um

grito plangente:

-Mama..• mama•..

No meio do compartimento, semi-nua,

vloláct"a, Cunshi torcia-se,

o~

olhos de–

sorbitados, os cabelos enroli!.dos

l

volta

do pesco¡;o.

cD~:ve

ser

m~:~l

que entrou

neta, mal que a obriga a torcer-se aSsim,

mal que a

f<~rá

sofrer ate a matar•, pen–

sou Andrt com horror: e,

tom~:~do

pela

neceSroidade imperiosa de dominar o es–

pirito do mal. lan¡;ou-se sobre a doente,

paralisando os seus movimentos com

toda a forc;a das suas maos, prendendo–

·lhe os brac;os, colando-a ao chao. A

mulher

~oltou

um glito atroz. Os cabelos

em desor(lem, agitava·!'e num

e~tertor,

mas o Indio com o joelho, lmpediu·a de

se mexer. Passaram-se a..;sim alguns mi–

nutos; depots a Gunshf, numa última con–

torsio, tentou libNtar-¡,e do peso que a

esmagava e cafu em prostrac;ao completa,

~~~asiil!~~i:~i~i,:~~d~e~e~~;;a~~

0

~i:;~~

nova

resist~ncta.

Carreguu com mais

forc;a sobre

as

carnes moles, sobre um

corpo sem forc;a, sobre

c~ota

coisa que j!

nAo

re~pondia.

Desesperado,

lan~ou-se

ao

ch~o. Obstinava-se

e

m procurar vida onde

nAo havia mais que um cadávtr. Porque

náo se

m~xia

e la? Sentia-se grande para

dominar tudos o espirilos do mal por

mais rr:nitentes que fossem. Mergulhou

em Jonga

contcmph·~~o,

inclinando sobre

aqueJa face alterada, sobre aqueJa bAba

sanguinolenta que'¡ dos cantos dos lábios,

corria pela car11. ate aos cabc\os.

Mudo,

ex:~usto,

iuclin11ndo a sua dor

para a hce da morta, niio pOde reter por

m11is lempo as lágrimas Lá fora, o gn11gua

continuava

a

chorar

e

o cae, cansado de

ladrar, ficava

A

escuta, na sombra da

cabaoa.

De tarde, Policarpo passou em busca

de nolfcias.

- Andrt l Porque fugiste?

Como ningutm respo11dessf', o mor–

domo <obriu

a

porta e, no limiar da cabana,

a!>plrou o ar. Quando deu conta do que

se pas!'<ava, afirmou :

- E' bem

fdto. Por ter querido rouhar,

por ter comido o cadáver, o Indio Jose

Rafael e...tá em

ri~co

de

reb~ntar

na sua

cabana. Por nao ter querido

c~cutar.

,...... Mas agora vtja

~oe

pede algama

coisa ao palráo para o enterco.

- Vou ver se e-le quer dar, respondeu

Policarpo, interessado, pensando na pt:r–

centagem que lbe podcria c;.bt r.

Os parentes e os anoigos comec;avam

a afluir.

li

Os músicos (um aoprando

nt~ma

flauta

e outro tocando tambor), colucarilm-se

atrás da

c11be~a

da morta estendida no

chiio entre quatro mecb11S

de

sebo que

bnlhavam nos vasos de argila coztda.

E

atacar;~.m

a ária de S3.o·JoAo, ária monó–

tona, desesperadora, que: niio devia aca–

bar senao nn momento em que a morta

b10.ixasse

i\

!'epultnra.

O marido, parente mais próximo da

:~~Pa~~~Z~

0

a~-~á:l~g~~~a~

0

d~~l~:~~~i~

pe lamentos intcrmináveis.

-Ay

Cnnshi sba.

-Ay

linda sba.

- Quem cuidará dos porquinho10 ?

- Porque partes

~em

te importares

com o porquinbo da fndla?

-Ay Cun ...bi sha.

-Vais-me deixar completamente só?

- Quem semeará o huasipungo?

- Quem cuidará. do guagua?

-Ay... Ay .. , Ay...

-Vamos colber erva para os porcos

da lndia.

-Vamos apanbar lenha na floresta,

-Que

m

irá ver se a galinha pOs ovo?

-Ay Cun!>hi sha.

-Ay

linda sha.

-Porque me deixas sózinbo?

-O guagua está a chorar.

-0

dio está a latir.

-O milho está a lastimar-se.

-A floresta está sombria, tao som-

bria .. ,

- Nós nao ternos nem milho, nt'm

mislwquito

(1)

1

nem

tl(lmbilo,

niio temoo;

nada ..• porque nao bá

m~tls

nada pora

semear.

-Basta a fome para chorar.

-Onde queres que se encontre

sem~nl~ '(:~~"~:~;~=~?

o

-Ay minha linda sha.

- Outros anos vhiio em que n6s tere-

mos bastante para comer.

-Mas este ¡¡no, o taita

Diuúlo

castl–

gon-nos. Tu morreste de fom e, mas

é

preci~o

sofrer em

sil~ncio,

e

preciso

sofrer em silencio.

-Ay Cunsht sha.

-Ay minha linda sba.

Com os lábios

seco.~,

garganta seca, a

alma seca, o Ind1o continuava a grit¡¡r; as

virtudes da sua mulher pa!>saram

t~li

todas; no silencio da cabana, cm pre–

scnc;a

dus

companhciros btbedos e "olu–

~antes,

ele podia diur tudo. Quando o

viram exausto, incapaz de proft·rir outra

cois:t que nAo Josse sons

inintcli~lveis

e

rouco~,

kvaram-no para um canto onde

, prosHguiu nos seus soluc;us e pr<ontos.

Ou1ro parente tom

ou o seu

lugar; e

passadas uma·ou duas

horas.de

lanu:ntos,

tambero este foi Jev11d

0 por

SUCI.

vez para

um canto.

A

mús1ca monotona do Sao

Joiio e os barris de guara]JO ndiantados

por Joana despertaram lentamente o coro

dos lamentos.

-E'

a minba vez de

clta.(quihay

(2),

murmurou um dos tios du ddunta e,

agurraudo a carpideira pelos sovacos para

a dispensar dos seus soluc;os, colocuu-se

no

~oeu

lugar e come¡;ou sem demora a

dar gritos hi.!ottricos.

Andrt bcbia muito como se quisesse

e~quecer

na bebt"deira um ódlo qu¡: aca–

bava de

na~cer

nele.

E

bto durou

tr~s

dias.

O chasquib:.y e:-gotou-se.

O

chelr" do

suor humano, do balito dos btbedoll. dos

excrementos do pequcno

~uagua,

vinham

juutar·se ao (edor do cadáver que se

decompunba.

-

}t~chyma}•shn}'

(3).

-

Jacbymayshay.

11)

Planta

culo

bolbo

é

comestr\>f'l,

(2) Lamento dos parentes em frente do cad!l·

~er(:o¡)

Costume Que mand11la11sros mortosa fim

de QUe

fa~am

em ordem a Vill!¡\em

eterna.