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nunca devem comer um bocado de carne.
A..,¡,im que se lhes dá,
tom<~m-lhe
o gosto
e
e:~otamos
perdidos. Todos os dih me
extraviariHm uma
cabet;a de: gado
para a
ab..teor em
"eguid.<~;
os pretextus nao !al–
tariam,
~oi
p<ira os Indios? Náo faltava
maii\ nad;. ! Nem o
ch~iro.
S:io como os
cabrito~; habituam-~e
a
mama e depois,
~aa~á~fo~h<~PI~~:
e
~~r:r\¡~r~n
0
o!,s-~~::;~:
todo o gado. Entre dois male!'
1
é
preciso
e~colhc:r
o menor: faz enterrar o animal
e o mais tundo que pnssas.
O mordomo deixou-se convencer
pouco a pouco; assoou o nariz luzidio ao
forro do poncho.
- E1<otá entendido, patráo.
-E eles náo te voltaram a fa lar das
esmolas ?
-N
•o, patr§o.
- E'
um
ne~óclo
arrumado. Em vinte
viagens os camiOes l:l.o cura acabarll.o por
levar tudo.
-Si
m, por
conseguinte, . .
- Vai mandar
enc~rrar
o boi.
O
gado voltava para a tapada e inú–
meros mugidos se fizeram ouvir na pa3-
sagem.
- 0\ha se ficou algum toiro na mon–
tanba?
-Os
Indios dizem que viram o que
matou o Lorenzo, no diada festA da Vtr–
gem, vaguear para os lados da porta da
cidade.
- Quantas
cabe~as
de gado ternos
presentemente?
- Dt:ve andar
¡'t
roda de seiscentas,
patriio.
-E' preciso fazero inventáriodo gado,
Pollcarpo.
Na encosta da colina, o administrador
esllmulava o ardor de seis Indios que
por momentos esqueciam a apatía em
que
a
falta de esmolas os tinba mergu-
• !hado. Reencontraram a agitidade dos
seus movime11tos, os prazeres e os risos
dos dias de festa. Connfdo, nao era o en–
tusiasmo de quem procura aguardente
nem os vapores do
rtmattclzo ;
(1)
o que
os movia, a·sua única
esperan~a,
era a
de voharen1 saciados pelo cheiro da carne
do boi, de voltar com um bom peda(fO
debaixo dos ponchos, para o gre\har nas
brazas.
O ciio¡ de nariz no ar, descobriu num
sopro da brisa
a
emana¡;~o
de carne
morta; partiu correndo, mas os Indios
adlvinharam-no e nao ]he deram tempo
de lhes p!iSSAr
a
frente. Precipitaram-se
no meio de risos e de remoques enqnanto
o tnordomo, esporeando a mula e bran–
dindo o chicote, gritava:
-Para onde correis, lndios, caramba!
Nao obtendo
re.~po~ta,
avam;:ou a sua
montada contra os Indios para
ca~tigar
a
sua tlesobediencia. Um ddes calu
e
de–
bllteu-~>e
entre as patao¡ do animal,
cobrindQ
a
cara com o pnnc:ho.
- [stás bebedo, heru? Lorpa, lmbecil!
O ar estava impregnado duma atmos–
fera desanimadora; mas as narinas dos
Indios, longe de se contralrem, abriam·se
e palpita
va
m
de prazcr,
A~
aves de rapina
que ..e tinham lá reunido tiveram que
interrompr>r o se
u
festim e voaram, en–
quanto os Indios se pnseram a abrir urna
cova funda para o cadáver apodrc:cido.
Quando puxaram
o
cadáver do animal
para o buraco, rivalizaram de habifi,lade
para escamotear um peda«;o de carne e
e~conde-lo
debaixo das suas
veste~.
O
cadáver, com as tripas a d.:::rreter·se, as
órbitas vazias, o
a.nu~~~'g
..
do pelo bico
das aves, deixara no solu um sulco de
materias viscosas, !'emeadas de larvas.
AndFé arrancou um
peda~o
de carne que
(1)
Pr11to indio. Espécie de
~uisado
de
carne com batatas.
A SEPULTURA DOS I ND I OS
pendla da pern.a e coloca
va-o
já precipi–
tadamente,d.ebaixo doseu
ponc~o,
quando
o chicote do mordomo cafu sobre ele. A
correia cortou-0 ate aos ossos.
- Larga isso, caramba!
Desesperado,
e
cheio de ódio, o fndio
~aanr~o':, funodb~c~~o c~~as~~di;f~~izh:~~~~
deitaram o cadáver, enquanto sobre as
suas
cabe~as
as aves de rapina continua–
varo a pairar em voos funercos.
Acucorados a um canto, Andrl: e
Cunshi e.,peravam coro ansiedade
qu~
a
noite
cals~e
para procurar alguma co•sa
que dar a seu filhu. Neste momento, el.e
estava entretido; avivava o fogo ntun–
bundo da ldreint.
A
noite c<du. EntAo, Andrl: levantou-se
e, com voz muito baixa, de modo que o
gua~ua
o nAo ouvisse e o niio quisesse
seguir. murmurou ao ouvido da India:
-
E~pera,
pode !'er que coro a ajuda
de Deus eu nao volte com as mios vazias.
Fechou a porta atrás de si e deslizou
silencio,amente nas trevas. O c:iio {ez-lbe
fc:sta,mas, receoso, náo o seguiu.
Como um ladriio, avam;uu prudente–
mente
na
ob~curidade.
Ir
a
aldéia
a
pro–
cura de qualquer coisa que larapillr era
quase imposslvel. Os aldeOes descon–
{lavam. Onde
1r? Custa~se
o que custasse,
era
preci~o
trazer c¡ualquer cuisa para a
cabana. SU.bitamente, a idela do cadáver
voltou-lhe. };las
arriscava-~e
a ser zur–
zido se o patrio vie,.se a s¡¡ber. Teve um
momento de hesita(fiiO; nAo havia outro
risco a correr, era preciso que o corresse
mesmo.
'
Oeslizou para o fundo da colina.
O vento que !he soprava na face en–
chia·o
de
esperan¡;a.
-Caramba
l
Maldi¡;Ao
l
Estes porcos
che~aram
primeiro. Os olhos de Andre
habituados
a
obscuridade, acabavam de
descobrir sombras que f.:giam de moita
ero moita.
Outras sombras apareciam, outras
ainda. Mas o sentimento de rivalidade
desap~receu.
Unidos. eles tinham menos
que recear; a apreensiio fugia, dir–
-se-ia que estavam a caminhar para um
encontro.
Aproximaram-se em passos rápidos
da terra removida que cobria o buraco,
sepultura do cadáver, e puseram-se a
esgaravati-la comas
unha~.
1
A' medida que o odor fetido que se
evolava do buraco se tornava mais forte,
a sua pressa era maior.
Por fim, cbeios de repugnAncia, repar-.
tiram
a
presa e e!'conderam debaixo dos
ponchos o peda¡;o de carne que \bes cabia,
cheio de larvas.
André com a sua parte debaixo do
~~:úc;~~iassed~in·:eegr:~A.peN~~dc:,
0
~es~~
quando restituira a galinha que tinha
roubado na aldeia, sentira um medo
igual ao que naquele momento !he
ap~r
tava a garganta. Acaba
va
de tran!'lgredir
a proibic;lio do patráo, desse patriio que
com o cura, era o representante de Oeus.
Ao menor ruido, detinha·se
a
escuta na
sua marcha desesperada.
Dapoi~,
pOs-se a correr, a correr com
todas as for¡;as ate que viu a sua cabana.
Enfhn, :;briu e fechou a porta, •tran–
cou-a, precipitadamente, todo afogueado
e tremente.
Cunshl
receben·t:~
com um sorriso e o
guagua cessou de chorar; na lareira as
chamas elevavam-se agora, altas e claras:
O Indio levantou o
se
u poncho e desa–
botoou a camisa manchada de sangue.
Espantados, crentes que André, ferido,
desabotoava a camisa para !hes mostrar
a ferida, a india e o guagua sobressalta–
ram-se; mas o Indio separou da !-Ua
ca~ne
e da sua camisa um grosso peda¡;o
de carne fl:tida.
- Entao é isso que trazes?
E'
ainda
nm
bom peda¡;o, comencoú a tndia. AJ!,ar–
rou
a
carne
e,
sem retirar as larvas, pO-la
a
~relhar
sñbre as brazas. Assentados
no chao a volta do fogo, Andre, Cuushi e
o guagua, de olho¡,
po~tos
na carne que
o
fogo doirava, acentuando a sua fetidez,
.saboreav<~m
de Rntemiio o festtm que os
aguan.lMva. Cunshi revolvia a carne assada
para evitar que ela se queimasse e
1
de
de cada vet, lambia os dedos.
E
e~te
simples gesto aumentava u enervamentu
dos outros dois. O cáo, imitando os seus
senhores, estava assentaclo ao
pé
del~s
e!ip~rando
a
sua parte. Piscaudb conti–
nuamente os olh,os, cvitava que
a
chama
lhos queimass:e e com lambedclas amo–
rosas nas coxas da cri ..
n~a.
procurava
ganhar a simpatia da famtlla. Do
~xterior
o~via-se:
u
m
ruido pouco perceptlvt:l; o
cao exc•tou-se e, através das pranchas
desconjuntadas da porta,
d~•ltzou
para
fora da cabana lan¡;ando ladridos lurio•
sos. Andre eniAo agarrou a faca l?elo
cabo de madeira que scrvia a
Cun~hi
para pelar
a
c:uchipdpa
fl)
e voltou-l'e
arnea¡;ador para as trevas com o gesto
daquele que está pronto a jogar a vida
para defender o
s~u
pAo, ¡\·[as a noile
continuava tranquila. O c1io voltou agi–
tando o rabo. O Indio amea¡;ou:
-Vais verl
Ocio, voltandO'para o seu lugar, nlio
tirava os olhos de Cunshi que desperla·
¡;ava com as mAos a carne a ..sada. Um
clar!o de sati)la¡;Ao
brilh~va
nos olhos
dos assistentcs. O próprio cheiro nAo era
mais que um excitante. As larvas mistu–
radas cum o sumo que o calor fizera\air
já
nao se dbtinguiam.
E,
afina!, nAo iam
todos encher a barrita ?
Depois de saciados, nlio tiveram senlio
u
m desejo: rlormir. Instiutivamente os
seus olhos dirigiram-se para a en:<erga
estendida no chao. André, depois de
tirar o chapéu e o poncho, coc;:ou a
cabec;a Jongarnente e estendeu-se sobre
as peles de cabra todas Impregnadas de
orina e dos excrementos do bébe; em
seguida, cobrindo-se com os ponchos
velhos, deixou sossegar o corpo fatigado.
Tinha charuado a mulher e o pequer10
porque
ele:o~
aqueciam-no.
A
india lanc;ou
um pouco de água sobre o fugo para o
apagar, en:lla..tou a pontapé:s o cao que se
tinha instalado próximo da enxerga, agar–
gou no bebé que eslava acocorado no
me io do compartimento,
e,
amorosa–
mente, acaboll de se imtalar ao pé do
macho.
Estavam habituados ao cheiro nau–
seabundo da enxerga, mas, nessa noite,
pareceu-lhes insuportável; sufocava-os,
pe'rtubava-lhes o eMOmago, rcvolvia-lhes
as tripas. Arrotaram, m&s nao ousaram
mudar de Jugar com medo de vomitar.
André: fechou os olhos e passou a mao
sobre a barriga, muilo lentamente, como
se acariciasse um gato adormecido; era
a sua dor que ele acariciava; anuncia–
va-se por uma pancada no baixo ventee
e
ele niio queda despertá-la.
r~ntou
licar imóvel, mas a boca enclfeu-se-lhe
de náuseas que tentou
r~ter
cerrando
fortemente as. mandlbulas. O que !he cau–
sava pena era ter de vomitar o que lhe
custara tanto a arranjar.
M::~s
na.o pOde
mais conter-se. Foi , preciso levantar-se
e, na soleira da cabana, vomitou tudo o
que tinha comido e ainda mais
-Vomitastt:: ?
·
-Ari.
- Dói-me a barriga.
-A
crian~a
nao es1á mal. Darme, ..
Alguns momentos denois, o Indio res–
sonava ruidosamente ; pe:lo contrário, a
Cunshi pOs-se a lutar contra urna estra·
nha su(oca¡;i'io, contra uma dor que !he
apertava o
e~tómago,
contra uma nausea
seca que lhe subia até
a
garg..nta, mas
tque nao podía ir mais longe.
-Ay .. . Ay... Ayay&y.
!1)
Pequf'nas batatas que habitualmente se
diloaosporcos.