Table of Contents Table of Contents
Previous Page  20 / 30 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 20 / 30 Next Page
Page Background

16

nunca devem comer um bocado de carne.

A..,¡,im que se lhes dá,

tom<~m-lhe

o gosto

e

e:~otamos

perdidos. Todos os dih me

extraviariHm uma

cabet;a de: gado

para a

ab..teor em

"eguid.<~;

os pretextus nao !al–

tariam,

~oi

p<ira os Indios? Náo faltava

maii\ nad;. ! Nem o

ch~iro.

S:io como os

cabrito~; habituam-~e

a

mama e depois,

~aa~á~fo~h<~PI~~:

e

~~r:r\¡~r~n

0

o!,s-~~::;~:

todo o gado. Entre dois male!'

1

é

preciso

e~colhc:r

o menor: faz enterrar o animal

e o mais tundo que pnssas.

O mordomo deixou-se convencer

pouco a pouco; assoou o nariz luzidio ao

forro do poncho.

- E1<otá entendido, patráo.

-E eles náo te voltaram a fa lar das

esmolas ?

-N

•o, patr§o.

- E'

um

ne~óclo

arrumado. Em vinte

viagens os camiOes l:l.o cura acabarll.o por

levar tudo.

-Si

m, por

conseguinte, . .

- Vai mandar

enc~rrar

o boi.

O

gado voltava para a tapada e inú–

meros mugidos se fizeram ouvir na pa3-

sagem.

- 0\ha se ficou algum toiro na mon–

tanba?

-Os

Indios dizem que viram o que

matou o Lorenzo, no diada festA da Vtr–

gem, vaguear para os lados da porta da

cidade.

- Quantas

cabe~as

de gado ternos

presentemente?

- Dt:ve andar

¡'t

roda de seiscentas,

patriio.

-E' preciso fazero inventáriodo gado,

Pollcarpo.

Na encosta da colina, o administrador

esllmulava o ardor de seis Indios que

por momentos esqueciam a apatía em

que

a

falta de esmolas os tinba mergu-

• !hado. Reencontraram a agitidade dos

seus movime11tos, os prazeres e os risos

dos dias de festa. Connfdo, nao era o en–

tusiasmo de quem procura aguardente

nem os vapores do

rtmattclzo ;

(1)

o que

os movia, a·sua única

esperan~a,

era a

de voharen1 saciados pelo cheiro da carne

do boi, de voltar com um bom peda(fO

debaixo dos ponchos, para o gre\har nas

brazas.

O ciio¡ de nariz no ar, descobriu num

sopro da brisa

a

emana¡;~o

de carne

morta; partiu correndo, mas os Indios

adlvinharam-no e nao ]he deram tempo

de lhes p!iSSAr

a

frente. Precipitaram-se

no meio de risos e de remoques enqnanto

o tnordomo, esporeando a mula e bran–

dindo o chicote, gritava:

-Para onde correis, lndios, caramba!

Nao obtendo

re.~po~ta,

avam;:ou a sua

montada contra os Indios para

ca~tigar

a

sua tlesobediencia. Um ddes calu

e

de–

bllteu-~>e

entre as patao¡ do animal,

cobrindQ

a

cara com o pnnc:ho.

- [stás bebedo, heru? Lorpa, lmbecil!

O ar estava impregnado duma atmos–

fera desanimadora; mas as narinas dos

Indios, longe de se contralrem, abriam·se

e palpita

va

m

de prazcr,

A~

aves de rapina

que ..e tinham lá reunido tiveram que

interrompr>r o se

u

festim e voaram, en–

quanto os Indios se pnseram a abrir urna

cova funda para o cadáver apodrc:cido.

Quando puxaram

o

cadáver do animal

para o buraco, rivalizaram de habifi,lade

para escamotear um peda«;o de carne e

e~conde-lo

debaixo das suas

veste~.

O

cadáver, com as tripas a d.:::rreter·se, as

órbitas vazias, o

a.nu~

~~'g

..

do pelo bico

das aves, deixara no solu um sulco de

materias viscosas, !'emeadas de larvas.

AndFé arrancou um

peda~o

de carne que

(1)

Pr11to indio. Espécie de

~uisado

de

carne com batatas.

A SEPULTURA DOS I ND I OS

pendla da pern.a e coloca

va-o

já precipi–

tadamente,d.ebaixo doseu

ponc~o,

quando

o chicote do mordomo cafu sobre ele. A

correia cortou-0 ate aos ossos.

- Larga isso, caramba!

Desesperado,

e

cheio de ódio, o fndio

~aanr~o':, funodb~c~~o c~~as~~di;f~~izh:~~~~

deitaram o cadáver, enquanto sobre as

suas

cabe~as

as aves de rapina continua–

varo a pairar em voos funercos.

Acucorados a um canto, Andrl: e

Cunshi e.,peravam coro ansiedade

qu~

a

noite

cals~e

para procurar alguma co•sa

que dar a seu filhu. Neste momento, el.e

estava entretido; avivava o fogo ntun–

bundo da ldreint.

A

noite c<du. EntAo, Andrl: levantou-se

e, com voz muito baixa, de modo que o

gua~ua

o nAo ouvisse e o niio quisesse

seguir. murmurou ao ouvido da India:

-

E~pera,

pode !'er que coro a ajuda

de Deus eu nao volte com as mios vazias.

Fechou a porta atrás de si e deslizou

silencio,amente nas trevas. O c:iio {ez-lbe

fc:sta,mas, receoso, náo o seguiu.

Como um ladriio, avam;uu prudente–

mente

na

ob~curidade.

Ir

a

aldéia

a

pro–

cura de qualquer coisa que larapillr era

quase imposslvel. Os aldeOes descon–

{lavam. Onde

1r? Custa~se

o que custasse,

era

preci~o

trazer c¡ualquer cuisa para a

cabana. SU.bitamente, a idela do cadáver

voltou-lhe. };las

arriscava-~e

a ser zur–

zido se o patrio vie,.se a s¡¡ber. Teve um

momento de hesita(fiiO; nAo havia outro

risco a correr, era preciso que o corresse

mesmo.

'

Oeslizou para o fundo da colina.

O vento que !he soprava na face en–

chia·o

de

esperan¡;a.

-Caramba

l

Maldi¡;Ao

l

Estes porcos

che~aram

primeiro. Os olhos de Andre

habituados

a

obscuridade, acabavam de

descobrir sombras que f.:giam de moita

ero moita.

Outras sombras apareciam, outras

ainda. Mas o sentimento de rivalidade

desap~receu.

Unidos. eles tinham menos

que recear; a apreensiio fugia, dir–

-se-ia que estavam a caminhar para um

encontro.

Aproximaram-se em passos rápidos

da terra removida que cobria o buraco,

sepultura do cadáver, e puseram-se a

esgaravati-la comas

unha~.

1

A' medida que o odor fetido que se

evolava do buraco se tornava mais forte,

a sua pressa era maior.

Por fim, cbeios de repugnAncia, repar-.

tiram

a

presa e e!'conderam debaixo dos

ponchos o peda¡;o de carne que \bes cabia,

cheio de larvas.

André com a sua parte debaixo do

~~:úc;~~iassed~in·:eegr:~A.peN~~dc:,

0

~es~~

quando restituira a galinha que tinha

roubado na aldeia, sentira um medo

igual ao que naquele momento !he

ap~r­

tava a garganta. Acaba

va

de tran!'lgredir

a proibic;lio do patráo, desse patriio que

com o cura, era o representante de Oeus.

Ao menor ruido, detinha·se

a

escuta na

sua marcha desesperada.

Dapoi~,

pOs-se a correr, a correr com

todas as for¡;as ate que viu a sua cabana.

Enfhn, :;briu e fechou a porta, •tran–

cou-a, precipitadamente, todo afogueado

e tremente.

Cunshl

receben·t:~

com um sorriso e o

guagua cessou de chorar; na lareira as

chamas elevavam-se agora, altas e claras:

O Indio levantou o

se

u poncho e desa–

botoou a camisa manchada de sangue.

Espantados, crentes que André, ferido,

desabotoava a camisa para !hes mostrar

a ferida, a india e o guagua sobressalta–

ram-se; mas o Indio separou da !-Ua

ca~ne

e da sua camisa um grosso peda¡;o

de carne fl:tida.

- Entao é isso que trazes?

E'

ainda

nm

bom peda¡;o, comencoú a tndia. AJ!,ar–

rou

a

carne

e,

sem retirar as larvas, pO-la

a

~relhar

sñbre as brazas. Assentados

no chao a volta do fogo, Andre, Cuushi e

o guagua, de olho¡,

po~tos

na carne que

o

fogo doirava, acentuando a sua fetidez,

.saboreav<~m

de Rntemiio o festtm que os

aguan.lMva. Cunshi revolvia a carne assada

para evitar que ela se queimasse e

1

de

de cada vet, lambia os dedos.

E

e~te

simples gesto aumentava u enervamentu

dos outros dois. O cáo, imitando os seus

senhores, estava assentaclo ao

del~s

e!ip~rando

a

sua parte. Piscaudb conti–

nuamente os olh,os, cvitava que

a

chama

lhos queimass:e e com lambedclas amo–

rosas nas coxas da cri ..

n~a.

procurava

ganhar a simpatia da famtlla. Do

~xterior

o~via-se:

u

m

ruido pouco perceptlvt:l; o

cao exc•tou-se e, através das pranchas

desconjuntadas da porta,

d~•ltzou

para

fora da cabana lan¡;ando ladridos lurio•

sos. Andre eniAo agarrou a faca l?elo

cabo de madeira que scrvia a

Cun~hi

para pelar

a

c:uchipdpa

fl)

e voltou-l'e

arnea¡;ador para as trevas com o gesto

daquele que está pronto a jogar a vida

para defender o

s~u

pAo, ¡\·[as a noile

continuava tranquila. O c1io voltou agi–

tando o rabo. O Indio amea¡;ou:

-Vais verl

Ocio, voltandO'para o seu lugar, nlio

tirava os olhos de Cunshi que desperla·

¡;ava com as mAos a carne a ..sada. Um

clar!o de sati)la¡;Ao

brilh~va

nos olhos

dos assistentcs. O próprio cheiro nAo era

mais que um excitante. As larvas mistu–

radas cum o sumo que o calor fizera\air

nao se dbtinguiam.

E,

afina!, nAo iam

todos encher a barrita ?

Depois de saciados, nlio tiveram senlio

u

m desejo: rlormir. Instiutivamente os

seus olhos dirigiram-se para a en:<erga

estendida no chao. André, depois de

tirar o chapéu e o poncho, coc;:ou a

cabec;a Jongarnente e estendeu-se sobre

as peles de cabra todas Impregnadas de

orina e dos excrementos do bébe; em

seguida, cobrindo-se com os ponchos

velhos, deixou sossegar o corpo fatigado.

Tinha charuado a mulher e o pequer10

porque

ele:o~

aqueciam-no.

A

india lanc;ou

um pouco de água sobre o fugo para o

apagar, en:lla..tou a pontapé:s o cao que se

tinha instalado próximo da enxerga, agar–

gou no bebé que eslava acocorado no

me io do compartimento,

e,

amorosa–

mente, acaboll de se imtalar ao pé do

macho.

Estavam habituados ao cheiro nau–

seabundo da enxerga, mas, nessa noite,

pareceu-lhes insuportável; sufocava-os,

pe'rtubava-lhes o eMOmago, rcvolvia-lhes

as tripas. Arrotaram, m&s nao ousaram

mudar de Jugar com medo de vomitar.

André: fechou os olhos e passou a mao

sobre a barriga, muilo lentamente, como

se acariciasse um gato adormecido; era

a sua dor que ele acariciava; anuncia–

va-se por uma pancada no baixo ventee

e

ele niio queda despertá-la.

r~ntou

licar imóvel, mas a boca enclfeu-se-lhe

de náuseas que tentou

r~ter

cerrando

fortemente as. mandlbulas. O que !he cau–

sava pena era ter de vomitar o que lhe

custara tanto a arranjar.

M::~s

na.o pOde

mais conter-se. Foi , preciso levantar-se

e, na soleira da cabana, vomitou tudo o

que tinha comido e ainda mais

-Vomitastt:: ?

·

-Ari.

- Dói-me a barriga.

-A

crian~a

nao es1á mal. Darme, ..

Alguns momentos denois, o Indio res–

sonava ruidosamente ; pe:lo contrário, a

Cunshi pOs-se a lutar contra urna estra·

nha su(oca¡;i'io, contra uma dor que !he

apertava o

e~tómago,

contra uma nausea

seca que lhe subia até

a

garg..nta, mas

tque nao podía ir mais longe.

-Ay .. . Ay... Ayay&y.

!1)

Pequf'nas batatas que habitualmente se

diloaosporcos.