dos buasipumgos parecia mudar; a sua
espectativa, de pacllica que era, trans·
formou·se na atitude do esculca por trás
da barricada. As árvores transformaram-
~~~i~~ t;~re;::tav~~~a. ~~:n~f~~~nat:::-~=
num arsenal de guerra.
As familias da colina precipitavam-se,
levadas pelo ódio, a boca torcida de furor.
Vendo-os chegar diante do seu buasi–
pungo, o Chiliquinga compreendeu tiio
profundamente a atitude desesperada da
multid&o que se comprimia a sua volta
toda
erí~ada
de enxadas, de machados,
de punhais, que se sentiu por um mo·
mento desorientado. Asua m:io c"ri!lpou-se
na trompa¡ e, para nlio iludir a sede
blblica dos Indios, Jam;ou o grito que
!hes devia servir de divisa. Saltou abaixo
do muro gritando:
Ñwtwchic lmus;pungo 1
(t)
-l'iucanchic huasipungol urrou a
multidio levantando as armas como um
c5o que eric;a o pelo antes de se
lan~ar
na Juta. O grito rolou pela colina e, atra–
vessando a montanha, foi-se cravar no
cora~lio
dos senhores.
-
~ucanchic
hua!>ipOngo
1
A multidlio dispersou-se pelocaminho,
lan~ando
o seu clamor. Alguna, para irem
mais depre.ssa, deitavam-se no chAo incli–
nado e deixavam-se rolar por al abaixo,
Marcbavam, quebrando o siléncio da pai–
sagem e a calma muda dos campos, asso–
biavam coro os dedos na boca, agitando
os ponchos e os chapéus e, sem cessar,
lan~avam
o seu grito. l'iucanchic huasi–
pungo! O sol queimava. No meio da mul·
tidAo, as mulheres,
despenteada~<
e porcas,
seml-nuas, seguidas de centenas de
crian¡;as esfarrapadas, Janc;-avam os seus
gemidos que engrossavam os gritos dos
homens:
-
~ucanchic
huasipungo!
Era o seu grito. Estavam confiantes.
Obatalb!ode garotos, imitando os homens,
eslava armado de juncos, de ramos, de
punhados de ortigas para esfregar o corpo
dos ladrOes e gritavam tambeom:
- l'lucanchic buasipungo l
Náo sabiam ateo onde este grito os
podia levar.
O primeiro grupo de revoltados encon·
trou-se como dos homens que avan¡;avam
sob a direcc;áo de Jacinto. Adivinhando
o perigo, estes Ultimos procuraram fugir ¡
mas era demasiado tarde : os gritos ji os
envolviam de todos os lados e
tra~avam
l'l.
volta deles como que um circulo de
chamas que se ia estreitando.
André lanc;ou-se sobre Jacinto e des–
carregou na
cabe~a
do comissário o seu
enorme bordá.o de eucalipto. O alrle!o
cambaleou e caiu de bruc;os.
-Caramba!gritou o Indio.Parecia-lhe
que esmagava um piolho que lhe tivesse
sugado o sangue desde a infAncia.
O aldeáo 1 incapaz de se erguer, andava
a quatro patas para se esquivar aosgolpes
do Indio.
-Anda, maldito! repetia André e a
sua presa escandia-se no melo dum
macisso de moitas como um piolho se
refugia num tufo de pelos.
-Agora náo te moverás mais, ca–
ramba!
Seis cadáveres, entre os •quais se con–
tavam o de Jacinto e o do vesgo Rodri–
guez1 flcaram estendidos no caminho. Os
guaguas faziam circulo a volta deles de
boca aberta, com os seus punhados de
ortigas e os paus levantados cerno as
tochas que se levam na prociss.lio do
Corp11s
e ficavam imóveis a contemplar os
corpos rlgidos dos aldeóes.
- Se se levantam, mordem,
lan~on
o
filbo de André Chlllquinga,
tro~ando.
A estas palavras, os outros garotos
flzeram
men~áo
de fugir mas, compreen–
dendo que se tratava dum gracejo, apro-
(1)
O huHsipungo
é
nosso!
A S EP U LT URA DOS JND. OS
xima.ram-se, desejosos de brincar com
estes borneos que queriam zombar deles
fingindo dormir. Tocaram· prlmeiro nos
pe~o,
depois nas máos; bateram-lhe, sopra–
ram-llle nas ort'lllas, no nariz¡ e 1 porfim,
urina.ram-lhes em cima.
Os clamores da multidAo ouviam-se
agora em casa do patri\o. Mr. Cllapy
batendo nos ombros do proprietádo,
murmurou:
-Veja, meu amigo, nunca se sabe o
terreno que se pisa!?
- Fujamos para Quito,
-Sim, vamos procurar a fon;a armada.
Tres automóveis lant;aram-se na es–
trada, enquanto no vale o grito de revolta
continuava a
fazer-~;e
ouvir :
- .\ucanchic huasipungo!
A casa parecia adormecida, Os Indios
penetraram nela multiplicando os seus
gritos e sacudindo a¡<; velhas portas de
batentes esculpidos.
Fizeram sair das cozinhas, dos celei·
ros, suas máes, suas irmlis, suas filbas.
Embora o cereal das colheitas tivesse
sido transportado para Quito, ainda
havlam ficado na dispensa abundantes
"provisOes. Cedo se fanaram e, entAo, a
desconfianc;a invadiu·os: esta casa nao
parecia encerrá-lo9 como prisioneiros?
lmediatamente e sem compreender que
esta decisao tornava a sua derrota inevi–
tável, decidiram fortificar-se nos seus
próprios huasipungos.
Trezentos homens bem armados foram
encarregados de sufocar a revolta. Estes
acontecimentos, como todos os do mesmo
genero, foram considerados nos circulos
governativos como um ataque do barba–
rismo a civiliza¡;ll:o.
-Matem-se.
- Acabem·se com elel".
- Exterminem·se.
- E' preciso defender este hornero que
e
urna glória nacional : Afonso Pereira.
Ele sbzinho construfu uma estrada.
-Esta glória financei ra, JUlio Pereira.
-Este empreendimento
ya11kee,
civi-
lizador e desinteressado.
Quando a tropa chegou a aldeia,
Oom Afonso transmitiu as suas ordens ao
oficial que a comandava:
-Procure apanhar alguns vivos.
É
preciso dar um bom exemplo.
-Parece-me dificil. Quando da famosa
subleva~1io
em Cuenca, o general Naranjo,
que tinha urna alma compassiva 1 amea·
¡;ou-os fazendo simplesmente disparar
para o ar, mas tudo foi inútil : eles sáo
estUpidos,
- Siio se!vagens.
- Foi preciso maU.-los a todos : havia
mais de dois mil, caramba, e se a vigi–
lAncia fraqueja, do capazes de nos assar 1
afirmou o oficjal, bebendo com o pro–
prietário. A mulher de Jacinto, que os
servia,
come~ou
a inquietar-se com a
ausencia do seu marido,
-O que
e
que estará a fazer o meu
Jacinto?
-Escondeu-se por !á¡ náo o teráo
deixado passar... Enquanto ele nao volta,
e ateo que este senhor oficial tenha cum–
prido o seu dever, podes ir procurar o
senhor cura,
- Isto será negócio para duas horas,
disse o oficial, despedindo-se.
-Tome mais um copo para lhe dar
mais alma para a tarda.
A meio da tarde o8 revoltados foram
surpreendidos pelo tiro das metralha·
doras.
Este barulho encantou os guaguas;
lembrava o dos foguetes e dos morteiros.
A fuzilaria tinha dispersado as fami–
lias Indias como perdizes na colina, As
patrnlhas de soldados tinham já cercado
os fugitivos.
- O!he, al entre essas moitas bá um a
mostrar a cabec;a.
- Sim, caramba,,. SeparoLt·se dos
outros que avan¡;avam do outro lado.
-fu vais ver a minha pontaria.
Soou urna
detona~ao,
o Indio crispou
as mAos no peito, tentou formular um
queixurne contra o ceu, mas um segundo
tiro abateu-o.
- Está quieto, caramba!... Viste nesta
átvore?
- Deixa-mo, eu abato-o como um
pássaro. A presa desprenden-se da árvore
e caiu precipitadamente; mas o Indio fi–
cou suspenso no meio dos ramos a que se
tinharn agarrado as i bas do seu poncho.
Alguns guaguas tinham-se escondido
nas ramagens que se inclinavam por
cima duma cuba de água lamacenta; uma
rajada de metralba fe.Jos cair.
O crepitar das espingardas fazia sair
os Indios dos
~eus
esc:onderijos. As horas
passavam e depressa o sol desaparecen
no meio de charcos de sangue.
Urna vintena de Indios tinham-se
entrincheirado no huasipungo de- Andre
Chiliquinga, situado a entrada da grande
ravina.
-E' preciso que ataquemos de frente,
O
declive~
duro e .. ,
A conversac;Ao do oficial foi interrom–
pida pela chegada de um enorme pedre–
gulho que descia o declive saltando com
fúria de toiro.
- Caramba, viio-me pagar isto!
- Indios do diabo
1
Abrigando.sena cova que se abria a
frente da cabana, os amigos do Chili–
quinga faziam rolar pedras e atiravam
com a carabina, carregada pára a
ca~a
as rolas.
O glorioso batalhl{o lan¡;ou-se ao
assalto, precedido de um fogo continuo
de metralhadora.
No fosso, as mulherea, os guagua!>')e
os homens uns após outros imobilza–
vam-se. Gritos de dor salam de todas as
bocas. As
crian~as
morriam no seio das
máes, as miies morriam recleadas dos
lamentos dos filhos. No meio de urna
nuvem de poeira alguns borneos e crian–
~as
defendiam-se a pedrada. Sítbitamente,
a orla do fosso eri¡;ou-se de baionetas.
-Por aqui, taiticu,,. murmurou o
filho do Cbiliquinga e, agarrando o pai
pelo poncho, guiou-ou por um pequeno
rego que ia ter a cabana. Quatro Indios,
que l inham ouvido a crian¡;a, seguiram–
nos. Alcanc;aram a cabana e fecharam
atrás de si a porta barricando-a com
tudo o que encontravam
~
mll.o. Limpa–
ram a cara toda coberta de lama sangui–
nolenta, co¡;aram e arranharam a cabe'ra,
sern deixar de olhar com ódio dissimu–
lado para André: única causa da sua per–
dic;Ao. Por fim agacharam·se a um canto,
desesperados.
Lá
fora, o crepitar das metralhadoras,
pouco, a pouco, tinha apagado os gemidos.
Súbito o tecLo de palba da cabana pOs-se
a tremer, crivado de urna rajada de
metralha.
O guagua de André que, até ali, com
infantil
indiferen~a
pelo perigo, tinba
dado coragem aos revoltados,
come~ou
a tremer intensamente¡ os homens olba–
ram demoradamente para o pequeno com
compaixiio. Urna segunda rajada obrigou
o garoto a saltar ao pesco"o do pai onde
se anichou desesperadamente. Fraco e
miúdo, pOs-se a solu¡;ar, e o seu pavor era
tal, ,que cada urn sentiu a garganta presa.
- Cala-te, caramba! ordenou o pai
1
engulindo as lágrimas.
As balas continuavam a crepitar na
palha do telhado, que se incendiou.
- Eles vll:o·nos grelhar como porcos
da India, caramba
1
O fumo asfixiava-os e juntava-se ao
desespero, ao medo e aos
solo~os
do
guagua. Um deles sufocou e entll:o todos
se puseram a tossir com urna tosse
interminável que lhes rasgava a garganta,
A morle sim, mas ar... ar
1
O te!hado,
em chamas, comeyou a cair aos bocados.